Estamos todos presos.
A cabeça baixa é a imagem da nossa serventia. Caminhando contra o sol que nos pune, regenera e castiga. Estamos sós. De olhos baixos, ligados ao mundo inteiro e sozinhos de nós mesmos.
Uma multidão doutrinada, subjugada e irrequieta por encontrar um mundo novo, por recriar diariamente suas bolhas de interação sociais, nas quais elas são reis e rainhas de si, dos outros.
Nós caminhamos todos de cabeça baixa, aprisionados por uma ideia de mundo egocêntrica e doentia.
Olhe ao redor, quantas pessoas estão como você? Essa dor de torcicolo para ler notícias, ver imagens de histórias felizes, ler textos sobre como a sociedade anda doente nas frases perdidas de um blog como esse, assistindo o mundo todo passar em algumas polegadas.
Não me entenda errado, o celular não é exatamente uma derrota.
A necessidade de se comunicar com pessoas distantes é bastante honesta. O que talvez não tenhamos percebido chegando à espreita, foi o vilão do entretenimento que nos aprisionou.
De certa forma, todos sempre temos algum vício. Eu, que antes me orgulhava de mergulhar em leitores de feeds rss, hoje enxergo que era uma outra prisão, talvez até mais profunda do que as mensagens intermináveis do whatsapp e o scroll infinito do facebook, ou a… bem, a… ok, ainda não consigo enxergar nada muito errado no twitter (ainda!).
Estamos vivendo em um mundo no qual o real já não importa tanto assim. Importa outra pessoa, em outro lugar, ainda que pixelada. Criamos barreiras sociais em desabafos online, testamos a paciência alheia com toda nossa falta de empatia e cegueira dos nossos privilégios.
Tem sido deprimente manter a sanidade em um mundo de gente se debatendo o tempo todo por atenção e esquecendo o valor do toque, do olhar, do gesto. E sim, este é o momento desse texto em que pareço um senhor de idade dizendo aos netos que no meu tempo era tudo mais fácil.
E talvez fosse.
No ano passado, trabalhei dois meses como Uber driver. O que me impactava de um jeito ruim era quando a pessoa preferia que eu fosse um robô. Não que fosse o motorista mais divertido, interativo e Celso Portiollico de 2017, mas eu tenho na cabeça a cena de uma moça. Entrou no carro olhando o celular e não respondeu quando eu disse “boa tarde”, nem quando perguntei se poderia seguir o gps. A tela lhe guiava, o fone de ouvido a mantinha longe. O pagamento no cartão de crédito a eximiu de qualquer contato com o motorista também no final da viagem.
A vida dela, pelo menos naquele instante, acontecia toda dentro daquele celular. O mundo real era apenas um espaço simulado para que ela pudesse movimentar o corpo e não atrofiar os músculos.
OK, fui um pouco longe demais.
Talvez seja hora de confrontar todas essas nossas seguranças. Talves seja hora de mais do que viver, SER o mundo. Ser o jovem casal que se beija apaixonadamente a despeito dos olhares, o senhor que joga dominó na praça com seus amigos, as senhoras que visitam e admiram a paisagem de dentro do transporte coletivo como se estivessem em grandes museus.
Note que “ser o mundo” é mais ou menos uma medida a ser tomada apenas por jovens e velhos. Nós, na meia idade, metaforicamente no-comecinho-da-tarde-da-vida-esperando-um-maluco-no-pedaço-acabar, nos achamos apenas inteligentes e superiores.
É quando nos descobrimos meio repulsivos também.
Estamos todos presos em microuniversos que só transmitem, apregoam pensamentos, aproximam as pessoas distantes, distanciam as pessoas próximas.
Damos risada de memes como se eles fossem algo orgânico e vivo e não apenas piadas que nossos pais e boa parte de nossos amigos não vão entender muito bem, caso não estejam conectados e ativos aos nossos grupos de interesse.
Nós não resistimos. Se foi o tempo do livre pensar. De olhar para um teto e refletir sobre o porquê de estarmos vivos, de existir. Restou um monte de gente desconectada da realidade, vivendo no feed de notícias como se estivesse andando pela rua numa sexta à tarde.
Sem internet, aparentemente, você não é ninguém. E ser ningúem, em nosso mundo hoje, é ser imenso como o resto do mundo.
Vá ser o mundo.
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*o título é um trecho da música “Desconectar”, da banda Nada em vão.