Conhecendo Kenan

Kenan (guarde este nome para posts futuros) é um dos meus vizinhos mais insuportáveis de todos os tempos, daqueles caras que numa conversa trivial emendam assuntos como o nazismo, Lenin, ou questões sociais/morais pesadas. Foi o cara que passou um ano lamentando a perda de sua namorada e culpando o sistema pois, vale ressaltar, ele tem 23 anos e trabalhar não era algo que passasse pela sua cabeça. Ele também de despede de conversas com “paz”, “pega leve” e “vai na calma”.

Outro dia, no elevador, voltando do trabalho, ele me mostra uma pedra e diz que está tentando destruí-la usando apenas o poder da mente. Minha cara de O’rly? foi lamentável.

Mas também é um dos que mais influenciam minhas reflexões. Não sei bem dizer porquê. Talvez sejam os livros antigos que ele sempre carrega – Kenan foi o primeiro amigo meu que leu todos os volumes de O Capital – talvez seja só seu jeito de ser sincero e maluco sabendo que está sendo sincero e maluco.

Certa vez, estava em casa vendo TV ou qualquer coisa, quando ele toca a campainha após combinarmos de trocar CDs:

-E aí, Robinho
-Fala, Kenan, certo?
-Trouxe o CD do Forgotten
-Ah, demorou, vou lá pegar o Weezer
[após os CDs trocados]
-E aí, você tá bem, cara? – Kenan sempre dá um jeito de enfiar um “cara” em qualquer frase, cara
-A pampa, acabei de chegar do trampo. Você, tranks?
-Ah, cara, parei de comer carne, faz 2 meses. Melhor, né, você sabe que não está comendo um defunto. Ficar se entupindo de corpos, né cara, não vira. To comendo muita soja e umas verduras que minha mãe faz, mas tem bastante variedade. O consumo de carne vai acabar com a humanidade, cara. Deixei de comer porque achei que é o certo, não por essa moda de idiotas aí.
-Pode crer.

Uma semana depois disso eu passei dois anos e meio sem comer carne.
Não pergunte. Não faz sentido mesmo.

Rascunhos de um inferno astral #1

Você tem que estar preparado para considerar ter sido um idiota a vida toda. Isso acontece em qualquer idade, com qualquer assunto, pra qualquer efeito. Você tem que estar preparado pra ver seu mundo virar de ponta cabeça, prestar atenção de que lado vai ficar e aí, amigo, segurar a pancada que essa mudança vai lhe oferecer.

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Vivo uma fase sem motivos. Sem motivos pra ter um celular que faça ligações, porque não quero falar com ninguém. Sem motivos pra sair, porque não quero beber. Sem motivos pra ficar depressivo, porque, ora, quem vai me ouvir?