Unlucky Days

E então você está desempregado há meses, sem lugar ao sol como diz a descrição do blog, com os problemas de autoestima de sempre, desavenças com a namorada, sem comida na geladeira, sem previsão de pagamento do freela, com um amigo que desistiu de tentar você pro outro trabalho esporádico maçante, com o licenciamento do seu carro prestes a ser atrasado, sem dinheiro pra comprar as pequenas lâmpadas do farol que queimaram ao mesmo tempo, quase fazendo amizade com o pessoal do telemarketing de cobrança do banco, sem saco algum pra escrever no seu diário autobriográfico por todo o peso que ele joga de volta em você quando você abre o caderno, com duas histórias pela metade e sem ensaiar com a banda e pilhas de estoque parado de cds que você deveria ter vendido durante o ano (sério, ninguém mais compra cds), evitando casamentos que não vai poder comparecer pela terrível sensação que existe em não dar presentes, com sua mãe achando que está tudo bem porque você hesita em dizer que realmente está à beira de um colapso mental e os vizinhos devem achar que você se corta com uma faca quando ouvem a respiração forte e abafada da sua crise de pânico.

Daí você emenda dois textos na sequência, encontra cinco reais esquecidos no carro, tira a roupa do varal dois minutos antes de começar a chover e começa a achar que a sorte está realmente mudando de lado.

O guardador de palavras

Existe uma espécie de êxtase no fato de não ter nada a dizer, algo que lhe pega pelos braços e lhe atormenta, como um amigo com um canudo assoprando bolinhas de papel na sua cara até você se irritar demais e não conseguir controlar seus impulsos e gritar com ele ou qualquer coisa do tipo.

O ponto é que você não consegue ter esse impulso de gritar contra tudo que lhe atormenta. Você fica cheio de palavras. Cheio de palavras que ninguém jamais vai ouvir. Nem seu melhor amigo, nem o taxista, nem quem sabe o barman gente boa que puxa assunto falando do Corinthians.

Existem palavras que jamais serão ditas, ideias que jamais serão divulgadas e pensamentos terríveis que ninguém terá o poder de julgar porque, não, eles jamais serão ditos em voz alta. o êxtase consiste em perceber que aquilo jamais vai sair de você de jeito algum. No momento em que você percebe isso as palavras juntam-se ao que quer que você acredite que liga o seu corpo a sua existência: sua alma, seu espírito, seu karma, seu cérebro. As palavras vão ficar armazenadas. É como uma gigante agulha de heroína que suga um pouco do seu sangue e depois mistura um monte de merda à sua corrente sanguínea (ando falando tanto de drogas depois do Breaking Bad).

As pessoas deixam de dizer o que pensam por pena, por serem covardes, por não acreditarem em si mesmas. Esse não é ponto aqui. As coisas que você diz te livram de algo que você prefere compartilhar com os demais, as coisas que você não diz criam em você um disco rígido de memórias ruins.

Com o tempo você vai descobrir que o seu armazenamento tem um limite. E que você vai começar a despejar palavras ou crises de ansiedade, desespero e pânico com mais frequência. Conversar pouco, assim como dizer pouco o que você pensa, lota a sua existência desse monte de arquivos corrompidos e não existe terapeuta suficiente pra tanta besteira nesse mundo.

Portanto é preciso dizer o que se tem a dizer: “pegue toda a sua honra desperdiçada, cada pequena frustração do passado, pegue tudo o que você chama de problema, é melhor colocá-los entre aspas (…) é bom você saber que no final é melhor falar demais do que nunca dizer o que você precisa dizer”, mas esse é apenas o John Mayer falando.

No final, ou a gente leva em consideração o princípio de arquimedes (ou todas as aulas de física que já tive na vida) que é um grande exemplo de lição dada e jamais executada ou a gente fala tudo que tem na cabeça e arca com as consequências, o que é bem mais adulto e difícil de lidar. De qualquer forma, é bem mais fácil pensar ou andar por aí sem carregar um tanque de guerra moral nas costas do que manter esse monte de palavras atormentando seus pensamentos e te fazendo esquecer que o princípio de Arquimedes tem a ver apenas com a intensidade da força de um corpo submerso na água.

A lição é uma escolha: ou você diz tudo o que pensa e abraça o que vier em troca, ou vai dar ao seu terapeuta a oportunidade de trocar de carro todo ano.

(este post corresponde ao ‘Day 11 – Escreva uma crônica’ do 30 days writing challenge do blog Spleen Juice.)