Comecei a enxergar o mundo com olhos estranhos de uns tempos pra cá. Clichê assim.
Não sei se foi o papo existencialista naquele vídeo do George Carlin ou essa filosofia de pensar no quanto se é pequeno em relação aos universos em nossa volta. Desaniversários, sabe, aquela história? Você comemora um ano cumprido, pra esquecer que só está um ano mais perto do final da vida.
Parece que não estou só envelhecendo, estou começando a tecer reflexões dramáticas e tristes como um velho.
Hoje é meu aniversário e não vou sair de casa. De presente, ganhei dois livros da coleção de clássicos da Abril. Minha garota, sempre. Meus pais já me pagam impostos, boletos e combustíveis o suficiente pra pensar em presentes. Dá pra se sentir um moleque toda vez que se pede dinheiro pra gasolina. Mas dá pra se sentir um otário também.
Fiquei sabendo que meu amigo Wolvs ia me dar de presente de aniversário um ingresso para o show do Social Distortion, que aconteceu semana passada. O problema é que já tinham dado dois ingressos para o Megadeth e decidiram que não iam ceder mais um pra ele. #VDM
ps.: Social Distortion é o show de 2010 que mais me arrependo de não ter ido
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Daí chega o maluco da gringa para terceirizar um serviço aqui na empresa. Aí nego quer almoçar com o cara e bancar o entendido da língua inglesa. Fila gigante, 12 minutos até a entrada do refeitório e uma frase:
-Here…..it’s…it’s…you know….all days, same place…tsc, tsc… [balançando a cabeça negativamente]
Impressionante o modo como as pessoas reclamam da vida pra qualquer um. Nego acha que a qualquer momento o Luciano Huck pode sair de trás de um arbusto e dizer: Amigo, você está no Lar Doce Lar dessa semana!
Colecionar flyers é uma arte que começou ao acaso, pelas tantas vezes que acumulei restos de papéis na gaveta. Certa vez, fui arrumar a coisa toda e encontrei mais flyers do que oxigênio, e então eu comecei a juntá-los.
A coleção data de 2003.
Separo os itens em categorias pra não me perder na hora de organizá-los. E geralmente a organização acontece em feriados no meio da semana, como o de ontem.
1. Publicidade Os de publicidade são aqueles que você encontra no caixa de algumas baladas, em lojas de roupa conceituais e cafés. Geralmente ficam em expositores e as pessoas têm vergonha de pegá-los e serem taxadas de… bem, de uma pessoa que pega papéis no expositor, sei lá.
Geralmente não gosto destes porque são cartões postais, mas se fossem SÓ cartões postais, seriam vendidos. Eles tem uma publicidade qualquer ao invés de uma paisagem bonita. Ao invés do Viaduto do Chá, tem uma televisão Samsung, ou o comercial de um novo seriado da Warner. O que lhes garante o direito de serem gratuitos.
Embora, posso dizer, alguns deles valem a pena:
2. OUTS Na verdade, tenho poucos flyers da OUTS, mas são, sem dúvida os que mais gosto. Pelo bom gosto do papel, da arte – mesmo os de material mais vagabundo têm artes bem-feitas. Sim, a OUTS é aquele club no final da rua Augusta, em frente ao Inferno. Toca Indie Rock, termo que muitos de meus amigos trocaram por “som meio outs”. Pra encaixar numa frase o exemplo: “sabe a DJ Club, ali perto da Nove de Julho? É meio abafado e tals, mas a música é boa, eles tocam um som meio outs”.
3. PUNK É onde está o auge desta coleção. De todos os flyers que possuo no total (cerca de 400), esta categoria ocupa pelo menos 70%. Coletados em geral na porta de shows, clubs e lojas da Galeria do Rock, os flyers de shows de rock são meu grande orgulho. E entre 2006 e 2008, se tornaram também um hobbie.
Óbvio que muitos destes shows eu não fui. Mais óbvio ainda que os flyers que peguei nestes shows estão mais maltratados que aqueles que peguei numa loja ou num club. Alguns têm fita durex na parte de trás, para garantir a integridade física. Algumas raridades como a passagem do Discharge, Vibrators e Agent Orange em SP, mais alguns clássicos como o NX Zero e Gloria no Hangar 110 e locais mais fuleiros (fãs alucinados que queiram comprá-los por preços escabrosos, me add).
“Um ator, um lutador, um mito”. Se eu escrevesse roteiros pra TV, ia querer começar a crítica para este filme assim. Pois bem. Ontem parei pra assistir JCVD, esse documentário ficcional sobre a vida do Van Damme lançado em 2008 que encontrei na banquinha de DVDs piratas na esquina de casa e pouco conhecido.
Uma comédia pastelão é o pano de fundo para tratar das tragédias na vida pública de Jean-Claude Van Damme, que interpreta a si mesmo. Vítima do equívoco ao entrar numa agência dos correios que está sendo assaltada, é forçado a usar os resquícios de sua celebridade em favor dos bandidos.
À sua maneira inconveniente e divertida, o filme vai caminhando para lugar nenhum durante pouco mais de uma hora. Entre trapalhadas de ladrões e oficiais de polícia semi-nus, momentos de crise como uma conversa de Van Damme com seu empresário, ou as repetidas vezes que fala ter perdido seu papel em determinado filme para Steven (Seagal), você vai sacando que o filme é na verdade um grande desabafo.
E aí, no meio de uma cena, o inesperado. Van Damme é tomado por um desespero doentio dos seis minutos que valem por todos os outros 91. Fala sobre sua vida, seus erros, seus fracassos e más escolhas. A performance deste seu monólogo garantiu a ele o segundo lugar num Top 10 da revista Time:
“Este filme é para mim. Cá estamos nós, eu e você. Por que você faz isso? Ou por que eu faço isso? Você faz meus sonhos se tornarem reais. Eu pedi por isso. Eu prometi a você algo em troca e eu não fiz minha parte. Você vence. Eu perco. A menos que o caminho que você definiu para mim seja cheio de obstáculos onde a resposta vem antes da pergunta. Sim, eu faço isso. Agora eu sei porque. É a cura, pelo que tenho visto aqui. Tudo faz sentido. Faz sentido para aqueles que entendem. Então… América, pobreza, roubar pra comer… Perseguir produtores, atores, estrelas do cinema, ir a boates na esperança de ver uma celebridade com minhas fotos, revistas de caratê. É tudo o que eu tinha. Eu não falava inglês. Embora tenha feito 20 anos de caratê. Porque antes eu não era assim (mostra o bíceps).”
Travestido de caráter confessional, com JCVD Van Damme diz ao mundo que não é um exemplo, que trilhou os caminhos errados e tomou atitudes que não deveria. E o que seria uma comédia de baixo orçamento se transforma de um minuto pro outro num grande drama auto-biográfico.
Estando eu também farto de semideuses, me sinto confortável pra citar Fernando Pessoa:
“Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?”
O filme é tão bom que sequer mencionei a palavra “espacate”. Ops.
Daí aquela operadora de cartões de crédito me liga no sábado. Reproduzo abaixo o diálogo:
-Ow, filhão, não quer fazer um acordo? Pelo menos seu nome não vai pro SPC-Serasa. -Demorou, fechadão. -Nossa proposta é tantas vezes de 600 paus. -Não vira. -Quanto você consegue pagar? -200 mangos. -Vou ver, faz uma média aí na linha. […após a média] -Olha, consegui em tantas vezes de 299 paus. -Mas só consigo 200. -Tá, olha, o que eu posso fazer por você é dar um desconto em cima da parcela, interessa? -Sim! Vê aí. -Olha, consegui aqui o desconto de 1 real sobre cada parcela. Assim você paga tantas vezes de apenas 298 paus. -Porra, agora sim. -Posso confirmar? -Claro, mas vai logo que não quero perder essa oportunidade única!
Não aconteceram as ironias finais. Tive pena da pobre atendente de telemarketing “eu-só-trabalho-aqui-moço”.
Cultivar uma barba não é um negócio muito fácil. Meus pontos:
-O amontoado de pêlos na cara coça demais; -É preciso tratá-la como um cabelo; -Demanda tempo e disposição. -Você vira alvo de uma porção de apelidos óbvios.
Apesar disso é bacana ter o que coçar na cara. É deselegante de um jeito bom. O @dlima indicou um dia destes o Build a Beard, um blog com fotos de barbas enviadas pelos usuários e acabo lendo diariamente. No geral, o blog encoraja o cidadão médio a fazer uso da barba.
Build-A-Beard realizes the courage to make the decision to grow – to forever put down the scissors and razors – a challenge not only to your character, but a test of will against a society who might not fully understand your DIY artistic expression.
Isso posto, segue abaixo meu testemunho sobre como ganhei notoriedade com a barba.
Hoje, ao passar pelo pedágio, a garota da cabine me olha estranho e, como que envergonhada, foca sua atenção nas moedas do troco.
Sem entender nada, peguei o troco e saí devagar. Pouco antes de tirar o som do mute, ouço a menina gritar pra cabine ao lado:
Kenan (guarde este nome para posts futuros) é um dos meus vizinhos mais insuportáveis de todos os tempos, daqueles caras que numa conversa trivial emendam assuntos como o nazismo, Lenin, ou questões sociais/morais pesadas. Foi o cara que passou um ano lamentando a perda de sua namorada e culpando o sistema pois, vale ressaltar, ele tem 23 anos e trabalhar não era algo que passasse pela sua cabeça. Ele também de despede de conversas com “paz”, “pega leve” e “vai na calma”.
Outro dia, no elevador, voltando do trabalho, ele me mostra uma pedra e diz que está tentando destruí-la usando apenas o poder da mente. Minha cara de O’rly? foi lamentável.
Mas também é um dos que mais influenciam minhas reflexões. Não sei bem dizer porquê. Talvez sejam os livros antigos que ele sempre carrega – Kenan foi o primeiro amigo meu que leu todos os volumes de O Capital – talvez seja só seu jeito de ser sincero e maluco sabendo que está sendo sincero e maluco.
Certa vez, estava em casa vendo TV ou qualquer coisa, quando ele toca a campainha após combinarmos de trocar CDs:
-E aí, Robinho -Fala, Kenan, certo? -Trouxe o CD do Forgotten -Ah, demorou, vou lá pegar o Weezer [após os CDs trocados] -E aí, você tá bem, cara? – Kenan sempre dá um jeito de enfiar um “cara” em qualquer frase, cara -A pampa, acabei de chegar do trampo. Você, tranks? -Ah, cara, parei de comer carne, faz 2 meses. Melhor, né, você sabe que não está comendo um defunto. Ficar se entupindo de corpos, né cara, não vira. To comendo muita soja e umas verduras que minha mãe faz, mas tem bastante variedade. O consumo de carne vai acabar com a humanidade, cara. Deixei de comer porque achei que é o certo, não por essa moda de idiotas aí. -Pode crer.
Uma semana depois disso eu passei dois anos e meio sem comer carne. Não pergunte. Não faz sentido mesmo.
Você tem que estar preparado para considerar ter sido um idiota a vida toda. Isso acontece em qualquer idade, com qualquer assunto, pra qualquer efeito. Você tem que estar preparado pra ver seu mundo virar de ponta cabeça, prestar atenção de que lado vai ficar e aí, amigo, segurar a pancada que essa mudança vai lhe oferecer.
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Vivo uma fase sem motivos. Sem motivos pra ter um celular que faça ligações, porque não quero falar com ninguém. Sem motivos pra sair, porque não quero beber. Sem motivos pra ficar depressivo, porque, ora, quem vai me ouvir?
Porque são raras as vezes que falo sobre religião.
denise: pq vc parou de ir a igreja mesmo? Robson: A explicação simples? denise: A explicação denise: Quero saber o motivo Robson: Gente. Robson: É que sei lá, vc sabe como eu sou né… Robson: Eu levo as coisas a sério mesmo. Robson: E quando eu entrei na igreja era fiel pra valer assim, fervoroso, um maluco doidão mesmo de andar com o rosário enrolado no punho.. heheheh Robson: Só que aí passou o tempo Robson: E eu percebi que a igreja era só mais um lugar cheio de gente prestando atenção Na vida dos outros e, muitas vezes, pouco se lixando pro seu próprio lado espiritual… Robson: Gente que fica irritado, que faz picuinha, que faz fofoca, que mente, fala pelas costas.. Robson: Descobri que, pelo menos naquela igreja, Deus não gostaria de estar. Robson: Saí e pedi pra Ele vir comigo. Robson: boa explicação? denise: sim denise: mas ainda mantem a mesma fé? Robson: claro, mantenho sim… Robson: não deixei de acreditar em Deus. Deixei de acreditar nas pessoas.
Outro filme do final de semana foi o excelente Requiem para um Sonho (2000). Como lido em meu dicionário, “Requiém” é uma palavra de origem latina que quer dizer descanso, repouso, mas é vinculada à morte e, no geral, significa o descanso através da morte. E o título do filme faz todo o sentido, as tragédias e pequenas misérias da vida contadas de um jeito febril e, às vezes, sádico. Recomendado para quem não gosta de finais felizes.
Mas não é que durante o diabo do filme eu só pensava em achar esses gifs (abaixo) com as quebras no roteiro que apareciam constantemente. Provavelmente postados naquela época, em que o gif animado era a commodity do meme e de onde provavelmente vieram inspirações para a criação do Three Frames.