Fauna

Um dos prazeres de morar sozinho, definitivamente é conhecer muito mais sobre a fauna deste nosso Brasil. E não que eu esteja morando numa cabana na Amazônia, veja bem, estamos falando das peculiaridades que nascem junto a comidas estragadas, panelas esquecidas no fogão e a certeza de que aquele pote de maionese discutindo materialismo histórico com o tupperware de carnes deveria ter saído dali meses atrás, afinal, eles nunca vão chegar a um acordo.

Aqueles animaizinhos estranhos que deixam o arroz esverdeado são horríveis, faz você se sentir em A Colheita Maldita, aquele filme que, curiosamente, me fez ver bichos inexistentes na maçã quando pequeno. Claro que são bem mais comportados e menos aterrorizantes que o bolor que nasce no macarrão quando você deixa a panela sobre o fogão fechada durante cinco dias. Ao abrir aquilo, veja, não vai ser algo bonito, ou apenas uma coisinha verde, mas sim um ecossistema com arvorezinhas, bolhas e pequenos pântanos, isso tudo sobre a crosta do que passou de macarrão a litosfera. É basicamente uma maquete de Pandora, inclusive com pequenos seres azuis.

Passemos às larvas (está ótimo este assunto). O brigadeiro de panela parece atraente, gostoso e perfeito pra ver uns filmes domingo a noite, não? Pois vamos quebrar aqui toda essa beleza. Sim, nascem as larvas mais violentas dentro desse poço de delícias. Uma pena que não cresçam o suficiente para usar de isca numa pescaria, por exemplo.

Já o bicho que nasce no óleo usado realmente é uma forma de vida que a ciência está nos escondendo. Parece um daqueles brincos enrolados em forma de concha ou qualquer coisa assim. Eles boiam e ficam rodeando o pote, não deixei crescer o suficiente, mas só pelo tamanho que ele conquistou, posso dizer que dá uma boa pescaria em alto mar (calcule).

Parece tudo muito nojento, eu sei, mas é a vida. Sim, a vida, nascendo em cada pedaço esquecido do laboratório de criação que você chama de cozinha.

De qualquer forma este post surgiu por ter encontrado hoje mesmo um bicho numa batata, mas era um branco, tão delicado, fofo e cheio de patas que estou pensando em colocar um cercadinho e deixá-lo brincar pelo apartamento por um tempo. Quem sabe chamá-lo de Floco de Neve. Esse tem carisma, merece atenção, um lar e talvez uma ou duas batatas podres pra se alimentar e poder crescer como os outros bichos brancos delicados fofos e cheios de pata merecem.

2013

2012 foi um puta ano de recomeçar, de reaprender que a vida só não me basta. E foi assim que me descobri com um milhão de pensamentos e sonhos, que eu tirei do relicário em que os adormecera uns anos atrás quando nada mais fazia sentido e era crescer que eu achava que precisava. Embora no fundo todo mundo precise crescer mesmo, as coisas vão confluindo para que você um dia pare de beber, pare de chegar em casa de madrugada, comece a ser chamado de tio por meninos que nasceram enquanto o Bebeto cruzava pro Romário fazer aquele gol de bate-pronto na Copa de 94. O que eu queria dizer é que nada disso pode ser forçado. Quando você tenta forçar, você está se modelando a ser o que você não é, a não seguir o ritmo natural daquilo que é a sua vida. E no ano que passou eu retomei minha vida nas mãos, soube o quanto era importante pra mim estar relacionado a música, a arte, de modo geral e não o velho hábito escroto de voltar pra casa, comer e dormir. E aprendi que é possível viver em harmonia consigo mesmo, basta ter algum tempo e disposição. Em 2012 eu reconheci na multidão um coração único, um olhar inquietante e um sorriso que me move e que desde então fez com que eu me perdesse alucinadamente e encontrasse um sentimento bom que me trouxesse paz, um só caminho que hoje me faz todo o sentido. E saí da casa dos meus pais, pra morar com meu irmão e fazer daquele lugar nosso lugar por um tempo. Também fiz novos amigos, conheci pessoas com as quais não mantinha muito contato, vi amigos mudarem de estado, vi gente nascer, casar, renascer, trocar de emprego, repaginar toda a sua vida em função daquilo que faz bem. E, cara, não sei, mas não existe outra alternativa senão viver pelo que lhe faz bem. Eu posso ser um eterno adolescente, um tiozinho que não soube crescer e manter aquilo que chamam de estabilidade. Eu só quero que corra em minhas veias tudo que me fez viver em 2012. Porque pelo resto eu mesmo corro.

Feliz ano novo pra todo mundo que acompanha esse blog desatualizado.

Colaborar, não competir

O fulano de tal que costumava redigir os textos deste blog está participando de um livro colaborativo pela DVS Editora e acaba de postar a terceira parte da história (e começou a escrever em terceira pessoa o que só corrobora a tese de que ele está enlouquecendo aos poucos).

[Para contextualizar, o personagem é um brasileiro morando em Portugal e está voltando ao Brasil na tentativa de recuperar uma herança deixada pelo seu tio, cuja cláusula única é casar-se com uma mulher católica. Quem quiser ler as primeiras partes, estão aqui nas veias abertas do facebook]

No caminho para o aeroporto encontro Rafaela, aquele amor perdido que surge numa dessas noites perdidas em que você pouco se reconhece ao olhar no espelho daquela matinê do aniversário do seu primo. Aquele amor que ainda com todos os pontos contra passa dois anos tentando fazer você entender que ternos risca de giz e o foursquare não valem mais a pena. 

Trazia o melhor de si naquele vestido alaranjado e cheio de estampas ridículas, pensei que talvez ela soubesse de minha partida e fosse tentar algo novo, uma ultrarrápida escapada no banheiro público da praça central ou um apelo dramático que venceria qualquer premiação de performance em reatar relacionamentos – caso existisse uma premiação babaca dessas. 

Olhou pra mim e disse ‘oi’, seguindo em frente sem parar. Como se houvesse visto um vizinho distante ou um estagiário temporário de um ex-emprego. E, bem, eu era o estagiário – Ou o ex-emprego, dependendo do seu ponto de vista. 

Um silêncio ensurdecedor se fez presente. Minha cabeça não estava preparada para o descaso, logo agora que preciso de alguém para preencher este vazio que existe em mim, digo, em minha conta bancária etc. “Dois anos juntos e ela nunca usou o maldito vestido laranja”, foi o primeiro pensamento após todo esse hiato mental – coisa de três ou quatro segundos, chutando bastante alto. 

Aquele vestido laranja dizia algo além de marcas voluptuosas no corpo da moça, obviamente. Dizia quem eu era anos atrás quando entrei naquela loja de departamento a procura do primeiro presente de aniversário de namoro e de como foi sentir-se parte distante de si mesmo, de encarar aquela visão de mundo parcial e desconexa, enfrentar a cada dia um novo porém, não só pela garota, mas porque poxa, a vida parecia mais promissora antes dela e você ainda ficava afim de fazer check-in no foursquare e ganhar uma badge constrangedora, entende? E de repente se via abandonar toda sua história ao parcelar no crédito aquele pequeno e atual sonho de outrém. 

No minuto inteiro em que passei olhando pedaços da cidade pela janela do avião ainda parado, percebi que Rafaela era o ícone maior das coisas que eu deixava pra trás, as certezas que foram vencidas pelo tempo. No momento daquele ‘oi’ sem grande atenção, Rafaela deixara de existir, Portugal deixara de existir. Naquele instante eu era apenas o Brasil, a grana do tio, minhas notificações no celular e um senhor obeso no banco ao lado que certamente deveria ter comprado um assento extra.

Viver e crer

“Se dou um passo à frente já estou em outro lugar
Não preciso de suas muletas pois os pés eu vou usar
É ter autonomia pra guiar, 
Olhar pra qualquer lado e ter o direito de me esborrachar”Viver by Deadfish on Grooveshark

Abro a porta do apartamento e ligo as luzes e a televisão pra curar uma solidão quase bonita e ter a sensação de que a casa está completa, mesmo quando estou sozinho. Tomo coragem para arrumar outra das malas da mudança e desisto por ainda não ter exatamente um quarto definitivo, móveis suficientes e aquela arara que a Chiba vai me doar quando fizer a mudança com o Guilherme. Acabam os horários de barulho no condomínio, aqui as pessoas parecem tão mais frias e eficazes no quesito não aparecer ou conversar ou cumprimentar. Aqui as pessoas são a multidão silenciosa, restrita e fria de São Paulo. Cara, o silêncio desse lugar é europeu (não conheço a europa e estou me baseando no que ouvi falar mesmo, chupa jornalismo). A galera não parece feliz com o lugar, com a vida, ou com um monte de festas que esses dois do 112 tão patrocinando nas últimas semanas.

Sim, estou morando com meu irmão há duas semanas, relativamente perto da casa dos pais, mas com uma independência definitivamente necessária para ambas as partes. E demora até você desistir daquele happy hour pra comprar mantimentos, ou o gás, ou trocar sua guitarra por uma geladeira (sério, Amaury, obrigado). Demora pra perceber que, seja lá o que for que você queira fazer, você vai conseguir de uma forma ou de outra. E não, você não leu errado, tomamos essa chamda na xinxa da foto pela administração por conta da festinha aos amigos que temos em comum (não todos os 135, obviamente).

Posso estar bem enganado e, em alguns meses, me ferrar, cair em mais dívidas, não ter pra onde correr ou voltar pra casa dos pais, o que não é bem uma opção sensata. De qualquer forma, mais do que esse tempo em silêncio, essa casa ecoando as teclas em que escrevo esse texto meia boca, esse local de reunir amigos e influenciar pessoas, eu estou aqui pela necessidade que tenho de “olhar pra qualquer lado e ter o  direito de me esborrachar”.

E não há nada que faça a vida valer tanto a pena.

A cada dia

A cada dia mais endividado, a cada dia mais ligações de cobrança, a cada dia mais trampos que não quero terminar e mais horas que não gostaria de perder. A cada dia morre em mim uma esperança e a cada dia nasce em mim um ponto de luz. A cada dia o passado fica mais mitológico e a cada dia o presente corre em minhas veias e me faz viver. A cada dia eu tento descobrir quem sou, a cada dia lembro um pouco do que fui. A cada dia me ajeito mais prolixo e menos detestável. A cada dia descubro como fazer as pessoas conversarem sem sequer precisar de um assunto. A cada dia me escondo em uma taverna do subconsciente e a cada dia que permaneço nela busco algo de novo pra me manter vivo. A cada dia que me perco nos olhos dela acredito mais em algo que seja divino e tenha me trazido tanta felicidade. A cada dia que passa eu olho pra trás balançando a cabeça sem raiva. A cada dia que envelheço escrevo linhas mais tristes e muito mais próximas. A cada dia eu ganho amigos, eu comparo teorias e escolho o que fazer da minha vida. A cada dia tento ser menos pré-vestibulando e mais humano. A cada dia eu choro por um mundo que se dependesse apenas de mim não seria tão medíocre. Ou choro porque seria ainda mais. A cada dia eu me perco pelas coisas da vida e a cada dia eu volto pra casa. É de cada dia meu amor e minha febre. Foi a cada dia que resolvi dizer a mim mesmo ante o espelho: deste dia em diante, te dedico cada um destes dias.

Retrato de um sujeito cansado

Uma corrente de bem estar, enxurradas de sorte do dia, gratuitas palavras de afeto direcionadas a ninguém em especial, enquanto você atrasa seus planos, comete erros bobos em planilhas que mensuram dados que nunca fazem a menor diferença. Você só cansou de ouvir gente resolvendo problemas que não lhe dizem respeito ou para os quais você não dá a mínima. Este é o retrato de um sujeito cansado e com um monte de projetos pendurados no varal da espera, que a gente só corre pra tirar as roupas na hora da chuva.

Gostaria muito que fizesse algum sentido pra mim chorar as mágoas em Paris, ou viver fantasias infantis que sempre acabam em dramas dolorosos. No fundo, não gostaria que fizesse sentido não. Meio que cansei de mentir sentado sobre o muro. As pessoas regurgitam suas ideias sobre as ideias de outras pessoas e fazem do mundo esse saco de vômito cheio de relações pessoais com erros baseados em experiências anteriores, o que não faz o menor sentido se vc reler prestando atenção. Você deveria aprender com a vida e deixar que ela te espanque mais vezes, até que você possa calejar. Quando estiver cansado de tanto apanhar e o sangue seco começar a colorir o asfalto, você vai entender que não importa. Que nada importa. Que a sua vida vai seguir em frente. E como naquela epifania do filme dos Simpsons, os galhos vão começar a te soltar.

E aí sua sorte começa a mudar.

Bonde da Bagacera

em um mundo ideal, esse post estaria no Somente Bares Legais

Aconteceu num daqueles dias em que a gente coloca o almoço em modo aleatório. Caí numa reentrância de Santo Amaro em que os comerciantes solitários quase imploravam por um fim de semana de movimento decente. Passava das duas da tarde, eu caminhava até o ponto de ônibus depois de ter tomado a linha errada. Precisava de algo que se parecesse com almoço para segurar a tarde e as únicas opções girando na minha TV de cachorro eram o MC Donalds, uma conveniência e o bar mais improvável do mundo. Não preciso dizer em qual deles eu entrei.

Na entrada não principal de passantes, estava posicionada uma estufa com pequena sorte de salgados, além de uma possível atualização do tumblr de risoles. Eu poderia pedir um comercial com fritas, mas isso não faz a menor diferença. Poderia sentar numa mesa ao invés do balcão e isso também não faz a menor diferença. Poderia ter perguntado se a moça de bigode e boné trucker esquentaria os salgados num micro-ondas, o que também não faria a menor diferença.

O bar se assemelhava bastante a um grande salão de danças típicas, tendo em vista a enorme quantidade de vinis de música brega expostos numa espécie de palco (que durante o horário de almoço é improvisado como uma área vip, talvez, veja foto abaixo). Naquele momento assisti a uma cena mental de tiozinh@s dançando sem parar, risada demais, bebidas fortes e sinceras, essas coisas práticas que fazem da vida algo menos injusto.

Vista lateral do palco/área vip

Sentado no balcão a espera do ketchup, eu notava a idade das garrafas em exposição nas prateleiras, quando comecei a prestar atenção numa conversa paralela entre a moça do balcão e outra garota que talvez trabalhasse nas proximidades e talvez almoçasse ali diariamente. Zé povinho é o cão, tem esses defeitos. Tá certo que não foi como se eu tivesse parado tudo o que estava fazendo para prestar atenção numa conversa, a realidade é que estávamos em tão poucas pessoas que qualquer diálogo seria nosso e não mais particular. Perder privacidade também é uma tendência no mundo das pessoas reais.

A quase tia do balcão demonstrava claros sinais que solidão nas tardes, enveredando assuntos sobre como saía do trabalho à 1h da manhã e tinha que levar seus filhos para a escola às seis. A moça parecia levemente perturbada com o final de seu horário de almoço tentando se esvair da conversa. Ao se despedir e colocar um pé do lado de fora do bar, a quase tia lhe ofereceu um serviço extra, um bico para quando ela quisesse trabalhar de garçonete, coisa simples de atender mesas, lavar louças e servir risoles de queijo. Ela voltou e acionou o humor “agora tá falando a minha língua”. Conversaram por mais alguns minutos, ela aceitou meio sem jeito, mas a tia ainda disse pra ela pensar bem na proposta.

Em que outro lugar do mundo alguém te oferece um emprego de trás do balcão, a sério? (Tia, liga nóis). Foi então que, terminado o risole, eu dei uma boa olhada para o lugar que escolhi para me alimentar. Primeiro para uma senhora, sentada numa mesa, lembrei que ela me olhava do lado de dentro do bar numa posição estratégica da mesa mesmo antes de eu atravessar a rua para entrar. Com certo pânico, afinal, o Datena tá aí pra provar que existem assassinos em potencial em cada ponto de ônibus do Brasil.

Duas mesas atrás, um cara, sentado, tomando um guaraná e comendo solo um prato feito. Ao seu lado, na cadeira, um gato branco que recebia eventuais carinhos entre uma e outra garfada. Parecia bem à vontade, o gato. Presumo que o cara também. Foi aí que riscaram o vinil da realidade. Eu assistindo aquela repetição de garfada/afago, ao mesmo tempo em que mordia a coxinha sem parar e o recheio não chegava nunca. Sério, uma série de mordidas. Provavelmente era o disco da vida voltando ao mesmo lugar, o tempo parando, coisas do tipo. E aí comecei a olhar o palco improvisado repleto de capas e discos colados na parede, uma jukebox surrada pelo tempo e uma TV de tubo. Aquele bar se perdeu em algum lugar no espaço tempo que desencadeou essa espécie de purgatório gente fina nos confins de Santo Amaro. Não teria lugar melhor para essa sucursal.

Outro gato

O balcão era estiloso e rústico, com prateleiras gigantes demais, o que fazia o dono ter de guardar garrafas vazias apenas para fazer volume. Sério, algumas garrafas de Montilla pareciam já ter idade pra dirigir. Foi neste momento que uma lata de Pitu Cola me trouxe de volta à realidade, talvez meu tótem para sair do outro nível de realidade seja uma latinha de Pitu Cola, um dia saberemos. A verdade é que me perdi no rótulo confuso. E paguei meus pecados nos quatro reais mais bem gastos da vida.

Tive de ir até o banheiro, porque a essa altura já estava cogitando marcar meu aniversário naquele lugar, calcule. Perguntei meio que sabendo onde era, precisava criar alguma intimidade com aquela pessoa de gênero feminino e bigode atrás do balcão. Era nos fundos. No corredor com luz, ela me aponta. Eu não entraria num corredor sem luz. Sério. E ainda que ela não tivesse dito, uma seta gigante pintada à mão na parede me faria entender que era por ali.

É invasivo ter de entrar num banheiro já utilizado e possivelmente sem descarga, tendo em vista os corpos boiando numa água já um tanto alta. Dá pra começar a pensar no trabalho sujo que a quase tia de bigode vai ter pra arrumar toda aquela festa de cocô. Dei dois passos pra trás, mas você sabe que não pode recuar. Mesmo de longe você tem que encarar a vida de frente e acertar aqueles pedaços de excrementos alheios que esfarelam ao leve toque da sua urina. Uma cena linda, sempre. E ao sair, basta não tocar em nada. Faz parte do manual de práticas para os piores banheiros do mundo. Já a essa altura, eu não me espantei ao descobrir que a água da torneira não ia pro encanamento, mas caía num balde improvisado.

Ao sair daquela realidade obscura e retornar a São Paulo – sério, estou tratando a parada como uma realidade alternativa agressiva, como aquela cidade de Tron Legacy, que você acessa pelo escritório escondido do seu pai – voltei a respirar um ar diferente, mais simples, menos verdadeiro e novamente cinza. Me senti humano e finito ao tomar o ônibus e voltar para o escritório. Foi assim que descobri que a imortalidade mora dentro do Bonde da Bagacera, onde o tempo, meus amigos, está sempre ao seu favor.

que isso nutricionista que isso?

De acordo com a nutricionista gordinha que eu descolei por sorte, poderei perder um mínimo de 7,5kg até o dia onze de abril de nosso senhor jesus cristo com a falência do meu apetite ninguém aguenta mais beterraba gente uma dieta balanceada à base de frutas, verduras em horários certos e a dor de viver contraindo seu abdômem feito um maníaco exercícios moderados.

É uma prática nesta vida descolar médicos incomuns, né, lembrando que o último foi um tiozinho que disse que não vou ver a última copa do Robinho, em 2018 (anotem isso). E não que eu estivesse demonstrando ser loucamente apaixonado pelo futebol do Robinho, eu só tinha uma gripe, gente.

Aí, a gordinha me diz que seguindo tudo isso aí eu consigo perder 7,5kg. Não sendo ela tão gente fina quanto é (e não sendo eu tão recluso) teria dito algo como MEU, POR QUE VOCÊ NÃO PEGA ESSA DIETA AÍ E RESOLVE SUA VIDA DE UMA VEZ!!!!!!!?

Só que não.

Olhe pro lado

(do pinterest da Mariana)

Não existem mulheres tomando champagne à minha volta, nem um milhão de festas e noites vazias, pra dizer a verdade, nem sequer tanta bebedeira quanto eu imaginava. Tem eu. Eu e o que vier pela frente, eu e quem vier pela frente. Basta tratar seu passado como um livro que você acabou esquecendo na casa de um amigo que mora no interior e que nem sempre vem te visitar.

Estou em mais de um lugar ao mesmo tempo e só hoje consigo pensar bem nisso. Vivo nas ruas, nas histórias da vida que conto pros amigos, no coração de quem eu amo. A onipresença certamente garante mais prefeituras no foursquare.

Só quis viver minha triste simpatia sem o mundo me segurando pela mão pra passear. Ainda não consegui encontrar forma mais certa de viver. Note que a felicidade é apenas uma causalidade fora de contexto e sem toda essa importância, embora essa parte talvez alguém não entenda e relacione minha vida a uma tristeza que eu nem citei. Não sou eu quem faço as regras.

E nessa álgebra emocional pesada eu não sei mais dizer o que perdi, embora saiba mensurar exatamente o quanto eu encontrei (note to self: “mensurar” é uma palavra que perdeu o peso depois da social media). Claro que isso talvez seja apenas eu dizendo pra mim mesmo CALMA CARA tá tudo bem, lembrando desse trecho de Monty Phyton que, narrado pelo Chaves, fica com um sabor todo especial. Talvez seja a constatação pura de que quando você passa um tempo com a sua vida e acaba olhando pro lado, você descobre, acerca do que diz a música, que tem sempre muita gente por lá.

O Capitalista Radical, uma introdução concisa

O capitalista radical é um personagem efêmero, que se mistura ao proletariado das grandes capitais com ares de superioridade e vagueia de terno Armani linha 97-98′ nas veias abertas da Vila Olimpia durante o horário comercial, embora não tenha escritório neste conglomerado executivo da cidade de São Paulo, ele quer passar essa imagem de gente séria e compromissada com uma pasta que contém apenas um bloco de sulfite e um pão com mortadela que ele come no banheiro com receio de expor suas próprias mazelas.

Com dois braços esquerdos – fruto de um implante bem sucedido, embora completamente errado por um acidente enquanto tentava ensinar os sobrinhos de sete anos a usar uma metralhadora – ironicamente ele vê esquerda em tudo, critica as minorias, salienta seu apreço pela família brasileira, pelo homem de bem e janta no Terraço Itália a cada semestre para compartilhar fotos e reviews na rede social do momento.

Nosso intrépido capitalista radical vive de renda – embora ninguém saiba qual a procedência de seu dinheiro -, coleciona escapulários católicos e moedas de diversos países e não se contenta em apenas passar a imagem de politicamente correto, curte assinar a Veja e tem uma foto do Reinaldo Azevedo no seu armário da Runner ao lado de um santinho do Eike Batista fazendo thumbs up.

Entretanto, nosso personagem ainda sabe como se divertir e gosta de pregar peças em mendigos distribuindo a eles alguns itens repetidos da sua coleção de moedas de outros países. Cômico. Imortal. Épico. É o nosso grande coordenador da classe média, nosso ícone de bom gosto, um sommelier do anticarinho ao povo.

(proj. @bigblackbastard, @bravodimas, @danielbranco e @kustela – este último serve de inspiração também)