Mártires muito loucos

Nunca entendi esse fenômeno social do rir pra não chorar. Aquele pessoal que está numa situação extrema e ainda assim está rindo. Como se fosse de alguma forma cômico, por exemplo, estar espremido dentro de um vagão de trem ou pendurado pra fora da porta do ônibus*, sabe? Já pensei nisso certa vez como algo que as pessoas faziam quando estavam acompanhadas, ou quando precisavam rir para sociabilizar (minha palavra do momento, desculpem) com os outros na mesma situação. Uma espécie de acordo coletivo no qual rindo, você fica absolutamente despido de qualquer problema momentâneo, que naquele exato instante é você segurando na porta do busão com uma mão, mantendo a mochila à frente da barriga e dando check-in na linha de ônibus (sério, existe) com a outra.

A visão de alguém inclinado ao ufanismo da auto-ajuda seria de que somos brasileiros, rimos da adversidade, fazemos piadas cara a cara com seja lá qual for a besta fera que estiver à nossa frente, aquela ideia de que somos brasileiros e podemos apanhar feito troxas que não desistimos nunca. Algum reaça enrustido cujo melhor amigo é o ar-condicionado da sua SUV, diria que a classe média curte um sofrimento e que a culpa é sempre nossa (deles?). A sorte é que no mundo em que vivo ninguém dá ouvido a reaças, nem cultua tanto assim as bandeiras.

Geralmente isso acontece em coletivos lotados, mas pode acontecer também na fila do mercado, quando o caixa trava na sua vez. Provavelmente minha geração fica mais puta da vida do que risonha às adversidades e começo então a supor que tudo possa ser algo que veio com o tempo, os últimos anos do século XX, com a transformação do brasileiro nesse mártir boa gente das pequenas problemáticas.

*Outra pergunta que sempre me fiz é se essa galera que fica pendurada na porta do ônibus realmente completa o processo de pagar o cobrador, atravessar a catraca e saltar pela porta de trás, porque, convenhamos, se chega o seu ponto e você não tem condição de atravessar todo o coletivo, você simplesmente desce, certo?

Tough Days pro Hard Drive

Era uma vez um HD e uma internet a fibra óptica de 16MB.

Eu tinha baixado 52GB do que comecei a chamar de minha coleção pessoal de filmes western. Guardei e criei uma pasta com todos os filmes que deveria ver, uma planilha separada por atores e diretores, com legendas para identificar o que eu já tinha visto e o que estava para ver. Ainda assim me sobravam os 52 GB de filmes de caubói para assistir. Eu decidi que iria escrever e aprimorar meus conhecimentos nestes filmes, criei um botão no blog pra compartilhar meus posts num lugar só, achei que estava tudo certo.

Nesse meio tempo eu fiz download de algumas séries que estavam atrasadas, outras novas, Boardwalk Empire, cuja primeira temporada é um dos meus assuntos inacabados nesta Terra. A nova temporada de How I Met Your Mother e Wilfred, que estava pra terminar também. Somando tudo acho que foram uns 47GB de séries, excluindo da lista as temporadas que deletava depois de assistir. Meus capítulos da terceira temporada de Man vs. Food também estavam lá. É, estavam.

Do outro da partição tinha minha lista de músicas, perto de 30GB da mais pura e honesta ilegalidade extraída dos servidores do mediafire. Alguma coisa do Torrent, como as discografias do Paralamas e do Roberto Carlos. O último do Wilco também peguei de lá. Meus raps, minhas mixtapes, minhas músicas próprias e riffs de guitarra gravadas no celular. Uns vídeos de New Metal que o Takami me passou e nunca tive oportunidade de assistir, os vídeos do casamento do Alan.

Pra resumir, esta é a nota de falecimento oficial do HD do meu notebook. Ele deixa todos esses órfãos por aí, uma vez que não vou pagar um centavo a mais pra garantia extendida recuperar tudo isso.

Fim.

22 de outubro, o final de semana num dia só

Post do projeto 3meia5, que acabou. =( ok, com um dia de atraso porque, como você saberá lendo as próximas linhas, eu estava no litoral norte.

Meu sábado começou durante a madrugada, na rodovia dos Tamoios, sentido Caraguá, o nome mais hype de Caraguatatuba. Parei para comprar água num posto de gasolina que tinha um restaurante parecido com um daqueles do Man vs. Food, chapas lotadas, lanches gigantes, essas coisas. Eu morria de sono, tal qual minha namorada, sogra e a amiga dela, que me esperavam no carro. Então, nada comi.

Impressionante notar como a galera que pega essa estrada de madrugada sente que está dentro de um condomínio fechado, ultrapassa pelo acostamento ou numa curva sem visão, dá farol alto, buzina, xinga, como se fosse um clubinho, ou uma estrada de poucas curvas e não uma das serras mais perigosas do Estado.

Chegamos na casa emprestada, estacionei o carro, enquanto elas procuravam onde ligar a luz. Não descobrimos no mesmo dia, então fomos todos direto pra cama tão exaustos que não lembro de ouvir qualquer conversa antes de dormir. Eu não durmo bem em casas que não conheço, mas óbvio, essa teoria só funciona se estou descansado e sem sono.

No sábado, em si, acordei depois de cinco horas de sono, como se tivesse dormido doze horas completas. Fomos farofar na praia da Mococa, vazia. Ventania monstro, não deu pra entrar na água, voltamos pra casa um tanto frustrados. Ao voltar, minha caixa de Budweiser estava gelada, então deu pra salvar o que parecia sem solução.

Dormi de tarde, num quarto não principal, com uma lata pela metade, de pé, em cima da cama. Cena linda de se ver. Acordei de ressaca, sim, tudo no mesmo dia. O sábado valeu por um final de semana inteiro. Fiquei sem sono. E então cumpri a teoria da dificuldade para dormir assistindo Altas Horas enquanto todo mundo roncava.

Opa, mas aí já era domingo.

***

Robson Assis, o @bigblackbastard é jornalista, pelego redator da Nova Pontocom e nunca soube como cobrar freelance sem parecer uma prostituta ‘é 50 reais a hora, moço, press release sem frescura’. Escreve para o Staying Alive was no jive, pro Robazz e colabora às vezes no Per Raps e no Sindicato dos Escritores Baratos.

O Guina não tinha dó

Estava eu na tentativa árdua de terminar um dos livros prateleira de promoções que tenho em casa. Difícil, sobre o pós 11 de setembro, carregado pra ler no trem, mas bem, faltavam 20 páginas.

– Opa, tudo bom? Desculpa eu atrapalhar o começo da sua leitura aí
– Não, que isso, diz aí.
– [tímido, olhando pros lados, procurando palavras] Cara, não sei se, sei lá, você pode me achar um louco, cara, mas eu tenho uma coisa pra te falar.

EU.TENHO.UMA.COISA.PRA.TE.FALAR, sério, foi a primeira boa olhada que dei na direção do sujeito, porque se você quer me dizer algo, você não diz que tem que dizer, você só diz (fica difícil até de explicar, percebe?). E aí pensei que poderia estar sonhando, e o cara se transformaria num Balrog de asas que devoraria minha cabeça, ou diria que foi um grande fã da minha extinta banda, o que é sempre provável de alguém dizer (quando estou sonhando).

– Não sei se, sei lá, às vezes é possível, alguém já pode ter falado com você, cara, mas sei lá, preciso te falar, JESUS TE AMA.
– Da hora, cara.

Foi a única frase que consegui pronunciar durante a viagem. É, para adiantar, fomos juntos até a estação Vila Olimpia, onde desço diariamente. E não consegui terminar de ler o livro.

Aliás, ‘da hora, cara’ não foi a única frase que disse. Eu tenho uma teoria sobre manter conversas apenas fingindo que você está participando. Quando é uma pessoa normal, as frases variam entre ‘é foda’, ‘caraca, pois é’ e ‘putz, mas meu’. Quando a pessoa tem algum problema com palavrões (é o que se espera de um cristão embestado), as frases tendem a ser menos gritantes ficando entre ‘da hora, cara’, ‘nossa, que coisa, né’ e ‘pode crer, é verdade’. Você precisa variar essas frases sempre para não mostrar sinais de indiferença. Funciona em grande parte dos casos, usem.

– Você pode não acreditar, sei lá a sua história, mas Jesus tá te chamando de volta, cara, se Ele te mostrou pra mim e eu tô aqui falando com você, pode acreditar nisso.
– Pode crer, é verdade, cara.

A ‘conversa’ era ele falando sobre as graças de Jesus nos seus 18 anos de vida (vou deixar de fora desta análise a idade dele, sério). E já que estávamos ali e eu teria de manter uma conversa com o moleque, descobri que ele é estagiário de um banco legal, não imagina que vai crescer e tem umas ideias bem fracas sobre o mundo em que ele vive. Tirando a parte de trabalhar num banco legal, tudo isso poderia ter sido usado pra me definir aos 18 anos também, fato este que criou um vínculo entre nós. Quem sabe em nove anos ele não estaria ali pegando o metrô com a mesma birra social/misantropia que eu tenho hoje e teria de ouvir outro jovem falando na cabeça dele.

E tem isso de eu não conseguir deixar essa galera falando sozinha. Fiquei tentando descobrir onde foi que esse moleque ouviu que parar alguém na rua é saudável e vai trazer a pessoa de volta ao caminho de Jesus e como foi que entraram na mente dele. Sempre que desviávamos muito ele mudava de assunto dizendo pra aparecer na igreja se eu pudesse (o que foi devidamente descartado com uma historieta simples). Ele conseguiu um dos meus e-mails spam-friendly nesse convite.

Depois de descer na estação e considerar que o moleque estava de boa fé, era relativamente gente fina de se conversar, mesmo sendo o tipo de gente que volta qualquer conversa para Jesus (nunca Deus, reflita) eu lembrei o nome da igreja que ele tinha comentado e percebi que ela fica em frente ao meu condomínio e recebe semanalmente o testemunho do Guina (é, aquele Guina), recuperado das drogas, do crime e das mãos do diabo, segundo os cartazes.

A única coisa que tenho contra igrejas é o fato deles te prenderem numa bolha mais do que a sociedade pode fazer. Por exemplo, ler de manhã pra mim é tão importante quanto evangelizar é importante pra ele. Digo isso, porque se eu fosse lá na igreja dele tentar mostrar como O Guia do Mochileiro das Galáxias é legal de ler, ele não ia gostar.

Pareço um moleque de 18 anos escrevendo desse jeito.

Não tenho absolutamente nada contra igrejas, mas tenho algo contra a ideia de gente tentando colocar na minha cabeça o que é certo e o que é errado. Se possivelmente existe um Deus e Ele quis que um moleque de coração bom me notasse na rua e me dissesse umas palavras legais de manhã, legal, fico feliz, fico até mais esperançoso pelo futuro e tudo mais.

No fim das contas gostei do moleque, mesmo acreditando que ele é um Jimmy Bolha evangélico e tal. Não vou aparecer na igreja dele, não vou responder e-mails dele, embora talvez leia um ou outro ‘pps’, na amizade. Quem sabe ele não me convence e ‘aí o Guina dê mó ponto’.

O que move seu coração?

Descobri essa noite que minha relação com a felicidade se baseia em alguns fatores inconclusivos, talvez por isso tudo seja tão difícil. Entretanto, defini um deles como absolutamente imprescindível para manter meu bem estar mental nessa vida: que as pessoas ao meu redor saibam exatamente o que move o meu coração.

Precisava compartilhar isso aí, sério.

Crowdfunding secreto da CPTM

É possível que algum leitor eventual deste blog se lembre ainda da Ponte Orca, um serviço de van em SP que levava o usuário do trem da estação Cidade Universitária até a estação Vila Madalena do metrô (e vice-versa), garantindo a integração gratuita que em seus tempos áureos até que funcionava bem.

Funcionava assim:

1. Você pegava um bilhete antes de sair da estação
2. Antes de entrar na van, o fiscal marcava seu bilhete com um furo
3. Quando chegava na outra estação, você apresentava o bilhete na catraca e liberava sua integração.

Aí entra a observação: Se você não fosse usar o seu bilhete – caso você fosse tomar um ônibus, ou fosse ali o seu destino final, por exemplo – aquele bilhetinho furado ficava sem utilidade nenhuma depois que você descia da van. Foi aí que alguns gênios do comunismo freestyle pensaram: por que não esperar quando a van chegar e pedir o bilhete de quem não for usar?

Então os bilhetes nunca paravam, gerando um fluxo infinito de gente viajando de graça. Eu inclusive pensei na época sobre a possibilidade desse grupo de pessoas criar uma comunidade que jamais pagasse pelo uso do transporte público, fazendo dessa quase maçonaria a maior plataforma de gambiarra colaborativa da história da humanidade.

Alguns anos depois criaram a linha amarela do metrô, inviabilizaram a Ponte Orca (hoje funciona só depois das 21h) e a pergunta que fica é: o que aconteceu com a vida dessas pessoas?

Essa noite, no Globo Repórter.

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Sobre
Ponte Orca é ágil, mas microônibus atrasam

Redson, um aperto de mão

Redson, Cólera (1962 - 2011)

Eu estava encostado numa porta que dava acesso ao “palco” de shows, no Black Jack, um extinto bar da zona sul de São Paulo. Eu tinha uma banda de hardcore, mas não podia me considerar um fanático pela cena independente, pelo faça você mesmo. A gente ensaiava, conhecia pessoas e bebia, basicamente nessa ordem.

A banda da noite era o Cólera, que quando comecei a ouvir esse tipo de música, meu irmão tentava me convencer que era boa, mesmo usando apenas a distorção footswitch do amplificador para todas as músicas (é, esqueci de dizer, eu era um idiota nessa época). Eu conhecia, tinha ouvido umas fitas gravadas, sabia da mitologia punk envolvida no processo, fui no show de 20 anos no Hangar, tinha ainda o Redson, uma lenda q…

– E aí, cara, tudo bom? – Aperto de mão
– Beleza, mano, e aí?
– Po, lotadão hoje, vai ficar louco isso aqui.
– Ah, vai sim.
– Deixa eu arrumar as paradas ali, até mais, cara.

Foi um aperto de mão do Redson, esse frontman do Cólera, que não me conhecia. É, o vocalista da banda que encerraria a noite. Um cara que eu vi algumas vezes em cima do palco e que, por uma iluminação qualquer do destino, decidiu me cumprimentar e trocar umas palavras. Até hoje eu sinto esse momento como um dos mais importantes que já tive na vida. Não pela tietagem pura, mas pelo que viria seguir.

Claro, por um lado foi só um aperto de mão. Entretanto, pelo lado que até hoje me faz lembrar desse dia, foi algo que, caso não tivesse acontecido eu não teria prestado tanta atenção em como aquele cara era sério com a sua banda, como dizia umas paradas interessantes. Jamais teria coragem de levar minha banda à frente, de ter organizado shows e saído com uma mochila cheia de cola artesanal para apregoar cartazes no centro da cidade. Jamais teria dado o valor exato à música e a capacidade que ela tem de mudar a sua cabeça, de fazer você raciocinar. Nunca teria feito tantos amigos diferentes, nem teria feito parte da multidão que lotava festivais, que comprava discos e distribuia flyers. Talvez nunca tivesse colado um patch na jaqueta, nem sequer decorado o nome de bandas finlandesas. Dedico tudo isso que vivi na cena punk independente (e que talvez ainda possa viver) a esse dia no Black Jack, a esse pequeno enlace de acontecimentos casuais com alguém que foi e sempre será um ponto de referência para o cenário punk no Brasil.

Mas, principalmente, caso nada disso tivesse acontecido, eu nunca teria parado aqui para reverenciar e demonstrar meu eterno respeito e admiração pelo cara que conseguiu me impulsionar tanta experiência de vida com um simples aperto de mão.

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Sobre
Morre Redson Pozzi, líder da banda Cólera

Vamos falar de coisa boa

As pessoas que já trabalharam ou conviveram um tempo comigo sabem que costumo tomar mais água do que qualquer pessoa normal. Não que eu tome três ou quatro copos durante o dia. Talvez se você chutasse três ou quatro litros poderia chegar mais perto.

E, para tanto, eu tinha em casa uma jarra azul, sim amigos, o mais cobiçado e desnecessário artefato no merchandising do Mulheres da TV Gazeta, devidamente adquirido pela minha mãe nos idos de 2003. Uma garrafa cujo propósito era oferecer água magnetizada para a cura de diversos males e que, oito anos depois, claramente já havia perdido todos os seus super poderes.

Mas não é só isso.

A garrafa de três litros (!) havia se tornado uma companheira inseparável a qualquer lugar que eu fosse, como uma grande e gorda long neck itinerante. Algumas pessoas gostam de dormir ao lado de panos mal cheirosos, outras de seus aplicativos de iPhone, há ainda quem curta cabeças de reis destronados, outras dão exemplos demais e perdem o ponto. A jarra azul era meu tótem. Se ela estivesse ao lado da cama quando eu acordasse, ficaria tudo bem.

Essa semana, a garrafa se mandou, após um conselho deliberativo entre Denise e minha mãe, corroborando para a extinção do meu tótem. Admito, ele podia ser um tanto sujo, acumular restos de comida nas beiradas e feder um pouco depois de algumas semanas sem ser uma lavagem brutal com água sanitária. Ainda assim, vou sentir sua falta, até que alguma marca de água resolva lançar uma garrafa descartável assaz simpática e com uma boa alça para gente bruta como eu.

Pensando seriamente em comprar uma nova com o Alexandre Pimentel,
quase um homem Teleshop. Mas copo é para os fracos.

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What you do? Go!

Um arquivo .exe do bem

Se eu tivesse um site de compras coletivas, ou qualquer um desses que tenha clientes, faria uma promoção em que a cada 10 mil acessos, para o exato 10.000º apareceria um banner gigante escrito PARABÉNS, VOCÊ É NOSSO 10.000º CLIENTE E ACABA DE GANHAR UM IPAD, CLIQUE AQUI”.

E então o malandro ia clicar e abrir automaticamente um arquivo ‘.exe’, mas não se engane. Esse arquivo iria instalar apenas um programa simples de cadastro no computador do cliente, sem malwares ou barras de navegação pro IE. Assim que ele completasse o cadastro (considerando que ele conseguisse resistir a todo esse terror psicológico até aqui), receberia uma mensagem em seu e-mail pessoal confirmando a entrega do prêmio em três dias úteis.

Internet é para os desbravadores.