Fat Wreck

Estou sentado em minha cadeira do trabalho quando, atrás de mim, uma das estagiárias do jurídico com trejeitos de uma bem sucedida blogueira de moda diz em alto e bom som para um de seus colegas “ahhh, mas você já foi gordo” rindo agressivamente , como resposta para uma conversa que eu gostaria muito de estar ouvindo antes para poder dizer melhor. Neste momento não olho pra trás, não me movo, quase não respiro.

Ser gordo em um ambiente corporativo faz você querer parar de respirar às vezes.

Das coisas mais difíceis em ser um obeso mórbido num ambiente corporativo é ser, mesmo que sem querer, um espectro negativo sempre presente para a vida alheia:

– quer uma bolacha recheada?
– ah, não valeu, não vou comer isso senão…

Senão fica igual a mim.

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Duas coisas me amedrontaram sobre a decisão de parar de comer porcarias, mas primeiro vamos aos porquês dessa decisão. De uns anos pra cá eu tenho cagado fortemente para qualquer merda que como deixado de pensar sobre a minha alimentação de maneira sensata. O que fez eu me tornar essa pessoa que não entra mais nas pequenas seleções de futebol de terça e só entra na seleção do basquete de segunda porque o Amaury é chato pra cacete. Ao mesmo tempo, me tornei uma pessoa que sobe escadas com extrema dificuldade e não caminha 20 metros sem respirar fortemente.

E então veio isso:

Daí no dia seguinte eu tava na farmácia comprando um multigripe como desculpa para me pesar com a maior vergonha do mundo. E depois me peguei trocando uma ideia de duas horas com meu amigo body builder que se dispôs a me ajudar.

E então as constatações que me amedrontaram quase que automaticamente:

a) O fato das pessoas desacreditarem de mudanças de vida sobre qualquer coisa quando você é extremo em algo. Ou seja, você não vai parar de beber caso beba demais. Mesmo que queira muito, mesmo que esteja publicamente colocando a maior frustração da sua vida para que todas as pessoas vejam. Muitas não estarão torcendo por você, afinal, o Robson vai parar de beber? Isso não pode durar.

b) Como é difícil desapegar de sua vida. Por exemplo, fumei mais cigarros do que deveria e tomei cervejas das quais nem queria no ensaio de terça. Assim como aceitei um resto de pão com nutella e, em algumas horas, vou aceitar um pedaço de bolo.

Não me convém mais viver a vida desse jeito maluco. Isso me veio num dia em que a minha refeição do dia consistiu em uma batata chips, dois moranguetes, uma bolacha mousse adria, dois salgados da cantina, dois lanches do mc donalds com batata e coca.

Eu teho dores, hoje, que não tinha cinco anos atrás. Eu não tô mais brincando quanto a morrer. A parada está sinistra e a passou a pesar de maneira metafórica.

Porque literalmente já pesa.

So long, Cajamar

Eu vim pra Cajamar por pura necessidade. Um ano de freelas faz você repensar tudo o que você quer, pra onde a vida está te levando etc. Você cria alguns hábitos horríveis, desapega do convívio de pessoas porque afinal, quando a sua vida pesar, elas não vão estar ao seu lado. Elas vão desaparecer no limbo dos semi-conhecidos e vão acabar ocultas no gtalk porque você simplesmente prefere nem lembrar que elas existem.

Da primeira vez que peguei o fretado pra cá, estranhei a rua. Fiz o caminho mais longo, pelo quarteirão de trás, nas entranhas obscuras do Jóquei, encontrando travestis voltando de uma noite qualquer. O cara que abria o bar da esquina já tinha se acostumado comigo e me dava bom dia pegando um pão de queijo e um café puro no balcão.

Uns 2 meses depois de acostumar com o café deste boteco, me mudei pra Cajamar, num ano que tinha tudo pra dar certo, Copa do Mundo no Brasil (ainda é possível pegar uma concha em qualquer praia brasileira e escutar “VIROU PASSEIO AMIGO” ecoando pela eternidade). 2014 foi um ano bastante tranquilo, necessário pra continuar vivendo. Uma espécie de ano sabático gritando gol sozinho num condomínio em que ninguém tinha a menor preocupação em socializar, nem pra Copa.

Sair daqui também foi fácil, na mesma intensidade em que eu precisei vir pra cá livrar a minha mente dos Dumb reminders, eu precisava muito voltar pra SP.

Aí hoje me toquei que hoje era provavelmente a última vez que eu vinha pra cá trabalhar. Meu último dia no escritório daqui. Últimos cafés, últimas conversas. Daí fiquei assim, nostálgico. Numa cidade cuja energia fica caindo toda hora, desligando computador de todo mundo. Onde 45 pessoas dividiam mesas de três lugares pra almoçar em horários malucos. Onde a gente se esforçava ao máximo pra entender a moça da limpeza que tinha uns dentes faltando e uma língua presa. Onde você recebia um apito do segurança caso descesse por qualquer escada sem segurar no corrimão, ou uma advertência por andar de carro rápido demais.

Pior que vai dar saudade.

ano VI

Tenho estado meio vazio. Não de coração vazio, mas de mente vazia mesmo. Às vezes penso que é a quantidade de bosta que consumo no facebook. Eu tenho me jogado às piores esquinas das redes sociais, lendo o que os adversários do bem estão dizendo. “Os adversários do bem”, quem sou eu pra dizer uma merda dessas, afinal, o mundo todo é completamente mau. Como aquele cara do Ponte Jornalismo que que se jogou num grupo de Whatsapp só pra ler mensagens de possíveis eleitores do bolsonaro. aquele cara sabe das coisas. sabe extrair o pior do ser humano e jogar ali, num domínio público, pra fazer seu público todo engolir o vômito um pouco antes de continuar o dia.

É isso. Tenho uma certa sobriedade ao ler coisas que possam ultrajar a mim ou a quem quer que seja. Quero entender de onde vem tamanha raiva, como criou-se aquele ecossistema de lixo que levou o comentarista do facebook a dizer tamanha babaquice. Essa sobriedade faz de mim um glossário de memes ruins e/ou preconceituosos, envolvendo política ou não, porque o brasil agora tem dois times rivais (e eu sou pt mesmo, lula 2018 e quero que vocês se fodam, um beijão).

*

Esse dilema todo me transportou para uma certa crise de desinteresse. Eu abro dez textos no Medium e leio 4 pela metade. É quase interessante como eu vou gradualmente perdendo o foco e tasco um spotify sem nem perceber às vezes. Quando passam dois dias eu fecho os que sobraram, lendo por cima. Situação belíssima, para não dizer trágica e fatal.

*

Mais cortes no trampo.
Dias antes das minhas férias terminarem.

Sobrevivi a dois e não sei o que será de mim no escritório com tanto eco assim. Virou um silêncio ensurdecedor, como se diz (quem diz?). Exatamente o silêncio do qual eu fugi, quatro meses atrás quando me mandaram do cadastro pro estúdio.

Estamos aqui, vivos, com uma cartela do Burger King pra trocar por lanches e saudade dos parças, que me fizeram chorar pra caralho no meu aniversário, ainda de férias, quando mandaram me entregar em casa um vinil do Sabotage, relançado mês passado pela Somatória do Barulho.

*

Este blog completou seis anos de idade e vamos ter que matricular ele na escola.

Livros e filmes de março

Cara, sério.
Não aguento mais reclamar da vida.

Livro
Leão de Chácara, João Antônio ★★★★★

Filmes
Dallas Buyers Club ★★★★★
Trumbo ★★★
The Big Short ★★

Séries
House of Cards, season 4 ★★★★★
The Walking Dead, season 6 ★★★

plmdds doutor

A saga de meu pai no hospital do servidor público foi algo que gostaria muito de esquecer. Quando unem as expressões “seu pai” à palavra “UTI” na mesma frase, não pode dar coisa muito boa.

E lá estava ele, numa maca, fazendo cirurgias de risco sem o consentimento de ninguém porque o hospital esqueceu o telefone da família que, a propósito, não podia estar com ele em quase nenhum momento (a visita era tipo de 15 minutos diários, enquanto ele estivesse lá).

Daí o hospital lembrou de ligar pedindo 30 doações de sangue e sem informar se tava tudo bem. Depois descobrimos que era pra repor o banco de sangue e não necessariamente para qualquer urgência relacionada ao meu pai. Sem saber de nada, desesperamos, obviamente. Meu irmão publicou online, recebemos muitos amigos, vizinhos, pessoas queridas etc e no fim das contas deu tudo certo.

No dia seguinte, ainda não tava exatamente tudo bem, mas ele já estava no quarto normal reclamando que tinham deslogado o facebook dele do celular.

Daí deu tudo certo.

Livros e filmes de fevereiro

Fevereiro foi um mês curto, de poucas ideias, de algumas neuroses, crises semanais intensas que começavam assim que terminava de subir os quatro lances de escadas até chegar no meu apartamento sempre lotado de gente falando, conspirando, sonhando, prometendo. O pior problema de fevereiro certamente foi não ter refúgio, não se sentir em casa em lugar nenhum, nem com ninguém.

“Tudo na vida é um país estrangeiro”, Jack Kerouac, um monstro na arte de sacar gente que não se encaixa.

Seguimos em frente fingindo que tá tudo bem, que o futuro está garantido e que a gente sempre vai ter pra onde correr quando tudo ruir de novo na nossa cabeça. Caso alguém encontre a minha fé na humanidade perdida por aí, guarda num potinho e reserva que eu pego no fim de semana.

Beijos de luz.

Livros
A Sangue frio, Truman Capote ★★★★★
O diabo sempre vem pra mais um drink, Nenê altro ★★★★

Filmes
O segredo dos seus olhos ★★★★★
Medianeras ★★★★★
O Regresso ★★★★
Spotlight ★★★★★
Creed ★★★★★
Orfeu ★★★
Donnie Darko ★★★
Stille Hjerter ★★★

Séries
Z Nation, season 2 ★★★
Fear the Walking Dead, season 1 ★★★

Livros e filmes de janeiro

Tendo em vista que nos últimos anos eu acumulei uma quantidade infindável de livros na prateleira e milhares de filmes mal vistos porque eu estava tentando forçar a segunda temporada de Once upon a time, mesmo sabendo que não tem jeito de gostar dessa merda ou alcançando as pessoas em The Walking Dead ou tentando terminar House of Cards primeiro que todo mundo trabalhando muito, fiz uma promessa no começo do ano: ler mais livros, ver mais filmes e me afogar menos em séries.

Criei até umas listas no listography (rede social 1.0 bem manera, diga-se). As listas de livros, como você pode ver aqui, somam mais de 150, ou seja, se você fizer as contas, dá mais de três por semana e não há formas humanamente possíveis de ler os dois volumes de Crime e Castigo e Ilusões Perdidas em uma semaninha e pouco, logo, a meta é surreal mesmo. É pra perder, mas pra perder de cabeça erguida. O jeito que a gente gosta de perder.

Então vem comigo nessa meta inacreditável:

Livros de janeiro

Entre Rinhas de Cachorros e Porcos Abatidos, Ana Paula Maia ★★★★
O sobrevivente, Chuck Palahniuk ★★★★
Nu de botas, Antônio Prata ★★★★★
A Rosa do Povo, Carlos Drummond de Andrade ★★★★★

Filmes de janeiro

Whiplash ★★★★★
Divertidamente ★★★
Birdman ★★★
Big Eyes ★★★★★
Boyhood ★★
The Imitation Game ★★★★
Gravidade ★★
O mercado de notícias ★★★★
Ex-Machina ★★★★★
Boychoir ★★★★★
Boulevard ★★★★
Os oito odiados ★★★★
Relatos Salvajes ★★★★★
Hoje eu não quero voltar sozinho ★★★★
Selma ★★★★★
San Andreas ★

Snapchat depois dos 30 anos

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A única explicação que considerei relevante para entender o Snapchat foi: um lugar para despejar as fotos que não vão para o Instagram e que geralmente se perdem no seu smartphone. Vamos lá, a gente vê o budinha em cima do desktop na mesa do trabalho e acha mesmo que vai dar uma boa foto. No fundo, quem quer ver isso? O Insta (somos íntimos) já é poluído o suficiente, já tem gente demais criticando copos da starbucks, pratos de comida, paisagens em geral e até os pequenos budinhas de gesso.

Não me entenda errado, usuários de Snapchat não estão sedentos pelas suas trivialidades. Eles simplesmente não se importam. Poste fotos de copos da Starbucks com nomes diferentes todos os dias. Ou apenas com o seu nome mesmo, seu hipster. Poste seus pratos com uma meticulosa curadoria de comida no self service pra parecer de um restaurante à la carte. Poste selfies e vídeos com efeitos quase infantis (o do terminator e do exorcista são bem maneros). Ninguém vai reclamar. Ninguém vai te julgar. Pode ser que haja usuários mais interessantes que você, mas aí é outra história.

Como você está um pouco mais velho do que o público alvo da parada, vale sempre tomar um cuidado pra não ser o tio bobão. Embora todos sejamos tios bobões em algum momento, seja postando fotos ou escrevendo textos em blogs (escrever em blogs é ser automaticamente tio). De qualquer forma, acho que o Snapchat é uma das redes sociais em que você precisa menos tomar cuidado neste sentido. No fim das contas, rola bem legal. O mesmo paradoxo de uma rede social sem timelines que te deixou meses afastado, vai fazer você entender que registrar tudo o que fazemos todos os dias e deixar essas coisas serem varridas para um limbo desconhecido, faz tanto sentido quanto deixá-las ecoando pela eternidade.

Além disso, existe um chat de poucas ideias. Digo isso porque ele é feito para você mandar fotos com mensagens em cima. Você pode apenas escrever para o seu contato, mas deixo o spoiler: vai parecer que você está usando do jeito errado.

Portanto, a receita que funcionou para que eu passasse a entender como (e especialmente porque) usar foi a seguinte: o Snapchat livrou meu smartphone de fotos que eu nem gostava tanto assim, mas acabava guardando porque precisava lembrar que em algum momento aquela cena parecia uma boa ideia para eternizar numa timeline e, bem, acabou ali, perdida na galeria, entre fotos dos gatos e panorâmicas todas tortas.

Então meu espertofone tem estado menos lotado de fotos, uma vez que elas vão direto para a timeline temporária e desapegada do Snapchat. Eu mal lembro as fotos que tirei ontem e isso é excelente, supere.

 

O detestável texto que mais amo

Tenho revisitado coisas antigas no meu gmail atrás de um mailing perdido nos HDs e que pode estar também num desses e-mails que envio para mim mesmo. E então tenho encontrado fotos que não quero mais, conversas perdidas, pessoas das quais desisti, pessoas que desistiram de mim, riffs de muitas bandas, pedidos não resolvidos de coisas das quais nem me lembro mais e milhares de currículos cheios de pequenas mentiras e palavras do tipo “comunicativo” e “sociável” e “early adopter”.

Foi quando encontrei esse texto detestável. Foi escrito pro Buzine, um fanzine do Luiz, o único a dizer minimamente que gostou. A repercussão de quem leu realmente foi constrangedora, do tipo “cara para de escrever essas coisas sabe? O mundo é tão legal, para de ser chato”.

Acho que não preciso dizer o quanto curto essas semideprezinhas, mesmo com todo mundo detestando, então compartilho ele abaixo.

Tudo ou Nada

Tenho tido dias horríveis. De pesar no coração. De doer o estômago. De indecisão, de não saber para onde correr, afinal estou sempre dentro de um coletivo ou de um escritório, ou num bar pensando no ônibus que vou tomar conversando com pessoas com quem trabalho, o que no fundo significa o mesmo. E com o coração sempre nas mãos. Pulsando firme, e nas mãos. Estou geralmente desarmado para tudo, esquecido, outro cuja feição denota simplicidade, mas a alma implora por socorro, nesse universo antimatéria o qual não podemos enxergar. Sou um indiferente que a história vai fazer o favor de apagar o rastro de existência com uma cerimônia simples, algum choro e, em 50 anos, a menor sombra de que um dia estive aqui.

É solitário olhar para o chão e perceber que ele te detesta menos do que todas essas pessoas que estão sempre em busca de algo. Essas pessoas. Você sabe. Essas que trocam saudações de bom dia e comentam sobre a mudança de temperatura, mas jamais falam da angústia, da condenação, do fato de acordar forçado, dormir forçado, comer em horários forçados e ser forçado a sobreviver. Que fogem dos problemas reais e criam confusões imaginárias para si mesmas. Cujo relaxo existencial é tão grande que apelam a encarar problemas de outras pessoas como se fossem delas. Dessas as quais a autorreflexão que acontece em seu cérebro é como numa sala de espelhos, nada foge, tudo reverbera e continua no mesmo lugar. Tudo é infinito e vazio. Tudo é, ao mesmo tempo, nada.

Deixei de estranhar o silêncio das manhãs de segunda-feira, deixei de notar o quanto mesmo tentando ser o tipo de gente sociável e bonita, as pessoas se esforçam para se manter em suas ilhas particulares, em seus castelos de palha. Deixei de sentir o vento na janela, ou de perder o ponto em que iria descer sob o prazer de um sono intranquilo. Eu durmo e acordo em lugares premeditados. Eu levanto e falo em horários premeditados. Eu finjo tomar decisões e sou aplaudido ou julgado por meus atos premeditados. E não posso errar muito feio que é pra não perder a fé, nem o fundo de garantia.

Talvez seja preciso mais lenha na fogueira, mais água no feijão, mais trocadilho infame pro texto do jornal, eu preciso respirar, eu preciso esvair, derreter, soltar a tripa, arregaçar a manga, transformar sonhos em coisas em que eu possa tocar. Cada um sabe de si. E eu me sinto o melhor dos seres humanos escrevendo essas bobagens. Mesmo sentado cabisbaixo e sonolento num desses bancos apertados do ônibus, sabendo exatamente como esse dia vai terminar, eu acho que finalmente sei que diabos estou fazendo nesse planeta, carregando esse corpo pesado e cheio de mistérios.

Entre viver e estar vivo existe uma grande diferença, é o que sempre me dizem. Estar vivo é entrar num ônibus, se manter antes de passar o cobrador, esperando que algo aconteça e você possa desembarcar sem pagar a passagem, ou coisa assim; Viver é passar a catraca, escolher um assento, trocar algumas palavras com seu companheiro descartável de viagem, comentar a mudança do clima, quem sabe rir ou contar alguma piada que você ouviu de algum outro colega sem importância.

Existe muita diferença entre viver e se manter vivo, embora, no fundo, estejamos todos dentro do mesmo ônibus.

Aqui nos bancos de trás desse ônibus estreito e lotado de gente, um senhor manco tenta vender suas balas, ele se apóia nos balaustres próximos ao banco de deficientes e joga seu produto no colo de uma garota que acorda assustada e volta a pegar no sono, segurando o pequeno pacote. Horas depois, eu, encubado naquela baía, sem perspectiva do mundo, respiro pilhas de papéis e me alimento de comparar planilhas de venda. E de noite encontro pessoas do mesmo turno, os mesmos rostos, mesmas conversas, o mesmo retorno angustiante para casa e para o trabalho, numa sequência sem fim. E amanhã recomeço catando do chão os restos de mim que abandonei na madrugada. Tenho visto coisas demais e meus ombros doem. Tenho tido dias horríveis por aqui.

E tudo continua, ao mesmo tempo, nada.