Das descobertas

Houve, enfim, uma semana exaustiva. Descobri que o criador de Sons of Anarchy é mesmo cara que interpreta o Otto (certamente o personagem mais comprometido da série), um maluco encarcerado que acaba se ferrando de todas as maneiras que você possa imaginar, tudo por sua crew. E descobri também que o cara é casado com a atriz que interpreta Gemma, veja bem, outra personagem extremamente incrível desta série.

Ok era só uma empolgação momentânea, eu sei.

Daí estávamos no escritório falando sobre como João, um dos meus amigos desde os tempos de escola, que tocava exemplarmente “Hoje a noite não tem luar” no violão, nos idos da oitava série, talvez. Fomos ver o vídeo da Legião Urbana, obviamente (produtividade, não trabalhamos) e lá estava Renato Russo, no acústico falando sobre “aquela dos menudos” antes de começar a música. Sim amigos, descobrimos que esta linda canção é uma versão para uma música dos Menudos (e se você já sabia disso me perdoe o espanto deste que vos escreve).

E na sexta-feira, descobri que a Glacial é certamente a melhor das cervejas de milho. Os amigos mestres cervejeiros (inclusive João, o amigo citado acima, apresenta o ótimo Malte Show, fica aí minha ~publicidade) vão dizer que é-tudo-a-mesma-merda-para-mano, mas só quem tem o paladar devidamente escrotizado por tanto tempo consegue notar as nuances de uma fábrica mal instalada e de cada pequena barata que aquela caixinha encontrou até chegar à minha geladeira. Nojento, você diz? Eu chamo de exótico.

Até então havia sido já uma semana de ótimas descobertas, amigos, mas o futuro me sorria como quem dissesse “segura aí, champ, que vem coisa melhor pela frente”.

Foi então que descobri o amor neste garotinho filho de Camila e Danilo que certamente devem ler isso um dia desses quando a criança parar de chorar, embora Fabrício seja tão bonzinho quem nem deva estar dando tanto trabalho. E eu descobri uma motivação linda em uma criança, uma dessas coisas que a gente não imagina que vá acontecer. Lá estava eu deixando as rosas do lado de fora do quarto do menino, apertando de leve esses pezinhos pequenos, como naquele episódio de How I met your mother em que eles passam o tempo todo com uma meia de bebê dizendo “sock” com voz de criança e repensando por um momento toda uma existência baseada em fechar bares e cometer atrocidades sociais depois das duas horas da manhã.

Da vida, atualmente, eu só quero a coragem de segurar esse bebê no colo e deixá-lo dançar esse pequeno arrocha.

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Grandes questões da humanidade #001

Você está sentado esperando uma moça entrar na sala e lhe fazer perguntas sobre os lugares em que você trabalhou nos últimos anos, como você conheceu a empresa, enquanto você responde assistindo ela jogar os cabelos e bater a caneta na mesa prestando atenção como se todas aquelas informações vazias sobre como você se esforçou na vida curasse os males da alma. Até que então, ela deflagra a pergunta que estreia mais este quadro aqui no caldeirão esta série de posts despretensiosos acerca de assuntos aleatórios e praticamente sem função social:

Como você se imagina daqui a 5 anos?

Bem, moça veja bem, sentado numa mesa como essa respondendo uma pergunta como essa é que eu não gostaria de estar. Na verdade, se eu ficasse conjecturando qualquer otimismo sobre meu futuro eu sairia perdendo, uma vez que, veja, a vida nunca me sorriu o suficiente para que eu não precisasse ter de conversar sobre meus empregos anteriores numa salinha como essa.

Digamos que eu aceite o seu jogo e queira lhe dizer sobre novembro de 2019, carros voando, telefones-implante, talvez um dropbox ilimitado. Um mundo diferente, uma guerra diferente, gente diferente falando diferentes baboseiras sobre assuntos sem valor. Eu me imagino vendo o mundo com essa mesma adolescência que Deus me deu, querendo apenas uma conversa sincera que me tirasse do tecido da realidade às vezes, um violão manero, meu pequeno home estúdio e uma felicidade constante de poder chegar na alta cúpula e entrar sem pagar simpatia, como dizia o brown já quase duas décadas atrás, mas não me entenda errado, por “alta cúpula” eu quero dizer aqueles desconhecidos que sabem exatamente do que precisam pra viver e não a Ivete Sangalo.

Possivelmente pouco ou nada dessas coisas vão acontecer, porque a vida não evolui conforme os anos que vão passando então poder ser que eu consiga qualquer coisa que eu disser nessa entrevista em um ou dois anos ou pode ser que eu jamais consiga e nada disso quer dizer que fracassei, mas quer dizer que mesmo sem ter tudo o que quero, eu consegui chegar a este mesmo dia cinco anos no futuro encontrando formas de me sentir menos derrotado em comparação com o mundo.

O mais provável mesmo é que eu esteja me lembrando desse dia cinco anos atrás e solte um semisorriso com um ar de inexistente superioridade e diga pra mim mesmo: azideia.

A padaria default

Hoje decidi deixar de frequentar minha padaria default.

É na padaria default que tomo café da manhã pelo menos duas vezes por semana – enquanto a renda permite. Parte do meu alívio diário acontecia lá, quando eu pedia os dois pães na chapa e o café puro de sempre e gastava R$2,00 (sim, dois reais).

Acontecia.

O preço não era o único atrativo. Os funcionários da padoca eram educados, gente classe, que poderia estar gerenciando equipes em grandes restaurantes ou vivendo o sonho, sei lá. Mas não, estavam numa padaria de bairro, entregando o suor de seus corpos para manter a qualidade do serviço prestado (OK, sei que estou exagerando um pouco no drama).

Tinha esse tiozinho. Um tiozinho que servia no balcão. Fazia o café, pedia os pães na chapa, regulava o que era cobrado nas comandas. Conversava com todos, free talker assumidão. Puxava assunto com os que conhecia, mas as risadas eram divididas por todos numa só canção (“numa só canção”, Robson?).

E tinha esse outro personagem anônimo da cozinha. Tipo um Luther Blisset, intocável para os clientes, suponho. Fazia um croissant que tornava o lugar mais mágico do que qualquer outra padaria que já tenha conhecido. Sem contar a exatidão e maestria incutida nos outros salgados.

Esses dois personagens foram, durante algum tempo, a alma padaria. Eu entrava sabendo que o tiozinho ia zoar um caminhoneiro chamando-o de mineiro ou qualquer coisa do tipo e todos teríamos um bom dia. E talvez visse alguém sair da cozinha imaginando que talvez fosse ele o Luther que fazia os salgados, talvez não.

De repente, num dia comum, percebi que a padaria default estava mais vazia que o normal. No caixa, percebi que o preço da minha comanda subiu para não tão admiráveis 3,00. E não acredito que exista um Copom especializado em preços de pães na chapa. E, semanas depois, os funcionários mudaram, entraram uns jovens que podem ganhar pouco e não vão reclamar inexperientes e uns tios mais sem graça que fazem café fraco.

Daí eu chego hoje, de manhã, como meus habituais dois pães na chapa comuns e tomo aquele café-tinta-de-impressora. E então peço, pra viagem, um croissant. Porque agora você não escolhe entre Queijo Minas, Calabresa com Queijo, Frango com Catupiry, Queijo e Presunto. Eles tem um único, que se chama apenas “croissant” e que o cara do balcão chama afetivamente de coraçán.

E então fui pegar meu Toddy, companheiro de aventuras, mas só havia um genérico, com uma placa ao lado “PROMOÇÃO: R$ 0,80” e claro, com o vencimento marcado pra hoje. No caixa, a garota indiferente me cobra a mais e, sem se desculpar, pergunta se tenho 70 centavos, pois ela não tem troco.

Foi só então que eu percebi que a padaria não estava mais lá.

Este é sobre política e pode pular, sério

“Eu morava na mesma rua do Neymar. Vi ele nascer e tudo, coisa linda, moleque bonzinho. Começou a jogar bola na rua de casa mesmo, ali, pés descalços. Eu na verdade nunca gostei muito porque sempre sobrava bola voando na cabeça dos que estavam de passagem, como eu.

Certa vez, Neymar, do alto de seus cinco anos de idade chutou a bola pra fora da “quadra” que se fazia na rua e a bola veio em minha direção.

Eu parei a bola nos pés e devolvi. Neymarzinho voltou, alegre a tocar bola com os amigos. E foi assim que eu dei ao mundo um dos maiores craques do futebol de todos os tempos. Obra minha. Tudo que ele joga é obra minha.”

(este texto fictício serve apenas para dizer como me sinto quando Aécio diz que o Bolsa Família é do PSDB)

*

Usar o Facebook está impraticável. Quando as pessoas querem vencer algo, é melhor deixá-las mesmo, acho que aprendi esse desapego com F. dia desses. Eu gostaria muito de ver Dilma presidenta por mais quatro anos, embora tudo esteja conspirando para termos aí um babaca sem escrúpulos cuja equipe de campanha tem o dom de esconder provas contra ele durante a campanha, uma vez que daqui a pouco todo mundo deixa isso pra lá.

Já disse pros amigos que esta, muito provavelmente, vai ser a pior ressaca eleitoral de todos os tempos. Obviamente nada vai mudar pra mim, que tenho lá alguns privilégios (e não me entenda errado, por “privilégios” eu considero um carro, um apê alugado, comida na mesa e um emprego), mas quem precisa deste país certamente vai ver as suas prioridades num limbo de pelo menos quatro anos.

Eu queria acreditar num Brasil que ainda é pobre, de gente que ainda mora muito mal e convive com os piores tipos de necessidades diárias. Aécio não está aqui para mudar nada. Está aqui para sugar e devolver o país para quem quer ver tudo isso crescer de cima e não fundamentalmente. Em uma lógica meio rasa é como se você não se importasse que pessoas morram de fome, desde que você possa comprar o seu Playstation 4 com dólar 1 pra 1.

Este candidato me irrita. Dentre muitos que já teve o PSDB, este, particularmente, me tira do sério, mas talvez nem seja por sua pose de playboy, ou todas as suas merdas já publicadas e maquiadas ou não respondidas. Me irrita ver gente que confia nele como se ele realmente fosse uma alternativa palatável para um país. É como se o Justin Bieber cuspisse na sua cara e você ainda assim quisesse um autógrafo.

Ou, neste caso, que ele dirigisse o seu país.

Nenhum voto para Aécio.

Kid A

Levanto cedo, arrumo a louça, ajeito a comida dos gatos, coloco o café pra fazer enquanto tomo banho. “Você não precisa me dizer o quanto meu café é bom. É Bonnie quem compra porcaria, ok?”, diz um Tarantino vivendo o papel que criou para interpretar. Sento no sofá com tudo pronto e apenas a difícil escolha de um álbum pra começar um dia mais cinza que os outros, mais nublado e mais frio.

Abro a porta da varanda pros gatos brincarem. O vento agora balança uma árvore linda de frente pro apartamento, balança também um resto de pipa dos garotos pequenos que não sabem o que fazer quando a linha começa a pegar força. Eu lembro do Silas cortando minha linha quando meu pipa atrapalhava o dele no ecossistema de pipas que criávamos nas férias.

Tem uma nesga de luz vindo na parede, uma luz laranja do sol que ainda não foi encoberto pelas nuvens. O café começa a esfriar, a música aumenta um pouco, fico com medo de acordar os vizinhos. Lembro que meus pais vêm me visitar neste final de semana e talvez eu perca o churrasco dos amigos. A luz aumenta, criando uma espécie de esperança estética. Eu lembro do futuro “será que tem um intensivão pra ser adulto? Eu me matricularia” era a conversa de umas semanas atrás.

Passo a gostar dos pequenos barulhos que os gatos fazem ao brincar com as sacolas no chão. Gosto cada vez mais do clima que a música me traz. E o sol se esconde novo, o crossfader me leva a “optmistic”, simbólica. Lembro de todo mundo ao mesmo tempo, de cada piada não entendida, de cada banda que não deu certo e de todos os que ficaram pra trás. Dos amigos que ainda não conheci e que já me fazem tanta falta.

Preciso chegar cedo ao escritório, “só essa caneca e já era”. Agradeço pelo dia que começa, pela casa, pelos gatos, pela família, nesta ordem. A pequena esperança da casa em ordem me traz um alívio imediato pra seguir em frente, pra esquecer o que quer que tenha me tornado fraco com o pesar dos anos.

Está tudo em seu devido lugar.

Old but gold

Tenho uma memória muito fraca que foi obliterada com a indevida quantidade de Dreher com limão nos períodos em que a vida empurrava você dez passos pra trás (praticamente todos os períodos). Então não me lembro exatamente da primeira vez que estive na internet. Lembro de alguém falando “mano, dá pra entrar no site do FBI! At[é no site da NASA”. Como se fôssemos fazer algo errado e invadir o banco de dados dos caras. Também não entendo bem pra que eu ia entrar na porcaria do site do FBI ou da NASA. Tenho alguma lembrança de tentar configurar o mIRC e usar uma vez sem entender direito o que pessoas desconhecidas estariam fazendo ali conversando (o que é, basicamente, o princípio motor da comunicação na internet).

Minhas primeiras lembranças reais datam de antes dos anos 2000, quando no meu primeiro blog num serviço chamado webblogger (obviamente sucumbiu à evolução), em que fiz três amizades:  (a) uma menina do sul cujo nome já me falha a memória, (b) um casal de um blog coletivo chamado segredos de liquidificador (eu não conhecia Cazuza e achava o nome genial, vale deixar claro) e (c) uma senhora com um blog cheio de gifs com glitter que republicava textos falsos do Luis Fernando Veríssimo.

“Um dia eu li um blog. Um blog que encontrei ao acaso. Não sabia bem o que era, nem como ou do que era feito. Procurei saber, encontrei um portal de bloggers, procurei explicação sobre tudo, montei o meu. Comecei escrevendo minha vida, do jeito que eu a conhecia, não do jeito que gostaria que me vissem, para que todos pudessem ter um pouco de mim, ainda que nestas frias linhas. E assim o fiz, dediquei aos amigos, aos que pouco me conhecem, a todos que se interessassem. Muita gente entrou no começo, era mais verdadeiro…Agora caiu num mar de reflexões sem rumo, mas que ainda tem uma ponta de verdade ou coerência. Ainda sou eu, do jeito que poucos conhecem…Só gostaria de ser mais real, e não escreve apenas quando estou deprimente.”

“Crônicas de um louco”, março de 2003

Meu primeiro blog era um diário pessoal da época do diário do pão com manteiga, em que eu contava coisas sobre o dia, explorava o vácuo da minha misantropia pueril aguçada e terminava com um “até”. Tinha até um contador de visitas que quando chegou a marca de 100 me deu orgulho o suficiente para escrever um post em homenagem. Quando chegou aos 1000 eu me senti importante e achei que alguém fosse me reconhecer na rua (onze anos depois este staying alive was no jive tem 60 mil views e ninguém me pede sequer um autógrafo. Chateadíssimo. Mentira).

Foi a época que conheci K. também, num chat do UOL, em que eu entrava postando frases sem sentido e deixando aquele robas_ro@hotmail.com, que até hoje está em atividade guardando os melhores comentários dessa época. Até hoje também converso com K. por e-mail, mesmo com tanta mudança de vida e de internet, embora sejamos menos próximos do que naquela época.

A internet se parecia muito com o que hoje é o Rotaroots, essa comunidade de blogueirxs saudosistas que surgiu com a ideia de posts mensais sobre o mesmo tema (um dos temas deste mês é a internet old school sobre o qual escrevo neste post). A gente fazia amigos que comentavam nos nossos blogs e conhecia pessoas pela fotos que estavam nos perfis do Blogger.

Pouco antes disso, meu único costume na internet era ter um ICQ. O meu ID era 102196397 e só me lembro até hoje porque o seu número do seu ICQ era como um documento pessoal neste comunicador instantâneo cheio de notificações detestáveis e amigos da escola. Tinha uma comunidade também, o netmigos, um perfil que você adicionava e incluía automaticamente umas 500 pessoas de todo o Brasil no seu ICQ, prontas para não conversar sobre nada em especial.

À época era impensável baixar um vídeo com aquela conexão discada e usada apenas a partir das 6h da manhã de domingo. EU lembro de um site que era o pai do Assustador.com, em que postaram as fotos dos corpos triturados dos Mamonas Assassinas e criaram meus piores pesadelos contando histórias escabrosas sobre fotografias velhas e fantasmas.´

Ah, obviamente tinha o Cocadaboa que era, disparado, o melhor da internet. Rolava umas tretas por direitos autorais das piadas que o Kibeloco copiava, com prints de e-mails, horários e tudo mais. Foi na época que deram o apelido de Kibe pro Tabet. E eu de testemunho ocular da história online, com 19 anos participando do bolão pé na cova e abraçando as causas do Mr. Manson.

Meu buscador favorito era o Cadê e eu usava o del.icio.us, porque um dos sites que mais lia naquela época, o blog d’o Primo compartilhava links direto por lá. Não sei se foi na mesma época, mas havia também um coletivo de blogs que eu me amarrava, mas já me foge o nome também. Era algo meio cult com um nome em francês (?) e eu estava prestes a ingressar na faculdade de jornalismo, então me dava o trabalho de ser o mais pedante possível.

Não havia muita coisa a se fazer na internet no começo dos anos 2000 a não ser lamentar miseravelmente o fato do bug do milênio ter um nome desses e ter servido apenas para zerar o relógio dos computadores, mas olha, que época, amigos, que época.

Beethoven, Cartas e Diários

Um livro um tanto boring, pra dizer-lhes a verdade. Beethoven – Cartas e diários é uma síntese das coisas que ele escrevia a outras pessoas (DÃR) e alguns rascunhos pessoais (estes sim, excelentes). Então você vai encontrar muitas cartinhas endereçadas a editores de música da época, cartas pedindo empregados e governantas, muita coisa biográfica que deve servir para estudiosos e fanáticos.

Tem um trecho excelente em que ele manda uma correspondência chamando a mulher de um cara pra sair (obviamente essas pessoas devem ter nomes e eu devia lembrar para descrever aqui), com o intuito de aproveitar o dia maravilhoso que se fazia. Na carta seguinte ele pede desculpas a ela e ao marido, dizendo que jamais imaginara que eles pudessem de alguma forma achar ruim (lembrando que ele convidou apenas a mina pra sair, não o cara) e ele não tinha a menor das más intenções.

Climão no século XIX, trabalhamos.

Com a surdez, foi tornando-se um cara chato demais, impaciente, desgostoso. Com a “pequena fama” como dizia, tornara-se estúpido com muitos ao seu redor. Respondia grosseiramente pessoas que lhe admiravam, mas pelas quais ele não tinha a menor afeição. Se achava o máximo por ter meio que adotado o sobrinho, quando o irmão morreu e a mãe não tinha a menor condição de cuidar do garoto.

É interessante de ler, mesmo com tantas trivialidades. No fundo, o interessante mesmo são as trivialidades que compuseram o gênio. E acabei descobrindo um monte de coisas, por exemplo que ele tinha uma parada de compor num lugar onde não houvesse um piano, para que ele não caísse na tentação de testar o que estava compondo e meio que perder a graça do negócio.

Tem a ótima passagem com Goethe, em que eles entravam num palácio de braços dados e deviam parar para cumprimentar os duques, mas Beets cochichou um “não devemos nada a esses fita, somos foda, eles que nos devem reverência” (obviamente não nessas palavras), mas Goethe desistiu, largou mão e foi falar com os picas. Beets, aparentemente, contava essa pequena história para todo mundo com um orgulho pueril de ter personalidade mais forte do que o poeta.

De todo o livro, o mais interessante mesmo é a forma com que ele fala sobre música, sobre arte. Sobre o quanto é preciso não apenas desmembrar a técnica e continuar estudando sempre, mas sobre o quanto é amplamente necessário entender a alma das coisas, dos compositores, dos gênios, alinhar o pensamento milenar que faz a criação musical ser tratada como uma espécie espiritualidade.

E tem um pano de fundo que acaba com o sonho de todo músico neste universo: o compositor da clássica nona sinfonia morreu pobre, nunca ostentou e meio que pedia favores pros editores, pros amigos, vivia de pequenos salários em tempos esparsos e não sabia quando receberia novamente. Um dos maiores gênios da música mundial teve uma vida quase pobre por viver de música e nego querendo assinar com o Rick Bonadio achando que vai ganhar a vida.

Fica a reflexão.

Ghost-free

 

“Porque quanto mais tempo sentada, mais o eco do mundo persiste. E quando você se levanta, ele se cala”, do excelente/mágico Pra Sempre, Por Enquanto

Esgotado deste último ano. Sério, fosse pra ter dado uma merda catastrófica, teria dado. E deu, em todo caso. Agora começo a me ajeitar e vem uma confusão toda maior na cabeça, obviamente mais relacionada ao amadurecimento real e não a trivialidades ou a tentar ajeitar-se onde você sabe que jamais se encaixaria. Nem em 800 anos de cursos preparatórios com mais 300 de certificação.

O que era preciso aprender, acredito ter aprendido das formas mais desconcertantes e constrangedoras possíveis. Aprendi que sozinho é extremamente mais fácil como eu havia previsto, embora seja bem mais pesado também. De qualquer forma o passado vai ficar onde sempre esteve, as pessoas vão embora e vai sobrar você, seu violão e uma gata rolando freneticamente no chão mordendo o que resta da sua mochila.

Um excelente momento para grandes mudanças (boa hora de perguntar a D. se a Folha está contratando pra escrever horóscopos também). Mudanças espirituais, sei lá, mas certamente territoriais. Eu não suporto mais estar aqui com estas sombras em mim. Se for pra ser calado, que seja num lugar em que nada fique falando tanto assim na minha cabeça.

No episódio 18 da sétima temporada de How I met your Mother (senta que lá vem spoiler – pare a partir daqui, essas coisas), Marshall e Lilly, casal que antes morava junto com Ted, está morando num município distante de Nova York, no subúrbio, numa vida meio solitária e loucos de vontade de voltar pra cidade. Ted, sozinho, após ouvir que o até então “amor de sua vida”, Robin, não o amava, decide deixar o apartamento para o casal, num gesto de carinho, por saber que eles queriam voltar. E principalmente porque ele precisava de uma mudança dessas. Sem avisar (pra dar aquela carga dramática boa que a gente ama), ele apenas esvazia o apartamento e deixa um bilhete:

Dear Lily and Marshall,

I don’t know if you know this, but I never took your names off the lease. Well, today I took my name off it.

The apartment is now yours.

And I think I finally figured out the best thing to do with Robin’s old room.

(nessa hora aparece o berço dentro do quarto – pois o casal espera um bebê)

See, for me, this place has begun to feel a little haunted. At first, I thought it was haunted by Robin, but now I think it was haunted by me. Well, no ghost is at peace until it finally moves on.

I need a change and I think you do, too. This apartment needs some new life. So, please, make our old home your new home. It is now ghost-free.

Love, Ted.

Ah, essa série é demais, sério.

Estou precisando deixar de ser esse fantasma para mim mesmo e superar o que não foi feito pra mim. Hoje eu saí da banda que mais me fez feliz em 2012, mesmo tendo dito que continuaria. Porque precisava aprender a tomar as rédeas de alguma coisa nessa merda (e precisava um dia desses ouvir aquela inbox diária da melhor amiga cansada de me falar que eu não resolvo nada, nunca – naquele nível de grosseria pedagógica que faz a gente meio que rever tudo do dia pra noite).

De qualquer forma, é melhor sair da cidade mesmo.
E eu tinha previsto tudo isso também.

A maré

Amar aos pares, aos amigos, amar aos passageiros do ônibus, aos cobradores e motoristas, garis (go garis!), moças do salão de beleza, moçxs da frente do shopping; amar gente reclamando na fila do hospital, meu vizinho que me pede a conta de luz bimestral, o pai, a mãe e a enteada na casa da frente, a pessoa que deixa papéis no vidro do meu carro abandonado na rua; amar quem se torna amigo demais sem perceber, quem já é amigo o suficiente pra sempre ser. Amar como se as merdas dessa vida jamais tivessem existido, ou como se tivessem sido levadas pra sempre.

Deixar de entregar amor como uma carta preciosa para uma só pessoa, em um só mundo, para assim entregar o amor como um trivial e corriqueiro folheto de farol.

(e amar Camila e Danilo  que me convenceram de que este blog estava pesado demais)

Intocável

Muitas vezes me permiti pensar em ser alguém comum. Não hoje. Não nestes dias. O que me acontece é ser um troglodita com coração de menino. De um menino que nunca vai entender ninguém, nem se encaixar em nada sem aquela sensação de que, em algum lugar, alguém está vivendo essa merda de verdade.

Segundo A., eu preciso passar por este inferno absoluto (com essas palavras, porque A. é uma pessoa dessas ótimas de trocar uma ideia). Eu preciso viver e superar meus traumas, esquecer. Na base da Itaipava do mercadinho porque a vida nunca me foi assim tão doce.

Quanto mais pessoas conheço, mais me torno vazio. E me perco num monte de gente falando coisas que não concordo, ouvindo, presente, como quem assiste empolgado um teste de DNA no programa do Ratinho. Cercado de uma moda de não ser o que você realmente é, não assumir os erros, não desembestar na desenfreada sorte em apenas manter-se vivo. Todo mundo numa correria maluca atrás de uma personalidade. E eu aqui, nestas mal fadadas linhas tentando explicar a mim mesmo o motivo de ter escrito “mal fadadas” só porque fazia muito tempo que não lia esta palavra.

Hoje me torno intocável. Principalmente pela sensação de de estar quebrado como os rádios velhos em lojas de coisas antigas que vendem rádios velhos quebrados. Me torno intocável por já ter tentado demais viver vidas que não foram feitas pra mim. Construir histórias que, por mais bonitas que fossem, só me trouxeram angústia e madrugadas insones esperando mensagens que nunca mais vão chegar.

Me torno intocável porque é a condição que preciso para viver sem esperar mais nada. E ter histórias de verdade pra contar. Vou continuar chorando o gosto amargo dessa tristeza por um tempo, o problema é que não vai passar. A gente só vai em frente porque tem que ir e não existe outro jeito. Se fosse pra trás eu errava menos, fazia escolhas menos piores e até me divorciava dessa horrível sensação de que não tem nada pra mim aqui. O negócio é que, aparentemente, viver é assim mesmo.