As pequenas coisas, sabe. Quando li aquele Rousseau, ele falava sobre a sociedade que existia antes de existir o conceito de sociedade. E fiquei pensando no que poderia ter sido diferente. Pensando se havia alguma uma forma do mundo ser um lugar para todos, agora sem aquelas idéias velhas e igualitárias.
Claro que havia. Hoje, tudo o que resta são conceitos dizendo que você tem que lutar por seus direitos e sonhos, correr atrás do pote de ouro, ser feliz, ter sucesso. E no fim de tudo a gente se perde. Quando lembro daquele dia, penso em velhinhos morrendo em hospitais, o que deve passar na cabeça deles que viveram muito mais décadas que nós? Será que, no final de tudo, correr atrás do pote de ouro ou de uma vida sensacional e eufórica nos faz plenamente satisfeitos? Ou será que ter coisas pendentes a executar em vida é a maldição do ser humano?
Não sei exatamente quem foi o escritor que disse que a gente passa tanto tempo no esquema padrão de trabalho, diversão e compromissos sociais que a gente se esquece de tentar descobrir o que diabos a gente está fazendo aqui. A gente esquece de pensar. E lembro agora do que a Marília Coutinho falava na matéria da Trip sobre gente que vai para a academia e pendura o cérebro no vestiário antes de começar o treino. Isso vai muito mais além. Acredito que exista quem pendure o cérebro em casa e nunca o leve para passear. Gente que o exercita aos finais de semana e feriados. Gente que guarde no porão.
É inevitável perceber a contradição da evolução humana. Ao mesmo tempo que criamos carros, aviões, máquinas que nos ajudem a executar trabalhos com maior facilidade, criamos um sistema social em que as pessoas podem ter empregos e vidas inteiras destinadas a não exercitar o cérebro. Tudo foi transformado em máquina, numa negação de sentimentos e questionamentos, numa negação à vida.
Talvez a galera dos feudos não estivesse numas de ambição. Talvez estivesse tudo bem, o mundo era essa rede de colaboração e parceria, todo mundo com o sorriso do Netinho de Paula na cara. E então eles amadureceram a idéia depois que o primeiro canalha decidiu trocar sementes de feijão por trabalho camponês. E daí pra frente a descensão, a história, o horror.
Se isso não tivesse acontecido talvez fôssemos apenas seres vivos, mais parecidos com os animais, vivendo em vilarejos no meio da natureza. E não haveria toda essa catástrofe, nem todo esse desespero, nem todas essas contas do Bradesco em que você possa depositar dinheiro aos desabrigados. Não haveria desabrigados. E então poderíamos chamar o planeta de nosso lar e ter todo o tempo do mundo para manter nosso cérebro no lugar e funcionando, que é onde ele merece estar.
Ou talvez esse seja só mais um texto que toca diversas feridas expostas da nossa época, embora não chegue a conclusão alguma. =)