Os Mujiques e a vida como ela é

Anton Tchekhov é um dos maiores contistas da história, mas só o descobri agora, no momento relativamente certo, quando você sabe realmente o que está procurando. Uma das coisas que mais me chama a atenção logo de cara é como ele faz de seus contos grandes, grandes contos. Cada capítulo tem sua própria história, com começo, meio e fim e nos garante a perfeita sensação de ler diversos contos interligados num só.

Além da linguagem e dos temas ácidos como a pobreza, o estilo rude e a má educação, outro fator importante em seus contos são os pequenos resumos de estudos sobre a natureza humana em imagens absolutamente lúcidas e auto-explicativas:

O incêndio terminara. Quando começaram a se dispersar, as pessoas perceberam que já havia amanhecido, que todos estavam pálidos, um pouco curtidos – era sempre assim, de manhã cedo, quando se apagavam as últimas estrelas no céu. Os mujiques sorriam e zombavam do cozinheiro do general Jukov e do seu chapéu, que havia pegado fogo; já tinham mesmo vontade de fazer piadas com o incêndio, como se fosse uma pena o fogo ter apagado tão depressa.

Anton Tchekhov em  ‘Os Mujiques’, 1897

Tragic scenes of life: A merda do meu TCC

O ano, 2006. A faculdade, Unisa. Tinha acabado de terminar um namoro de pouco mais de um ano com uma mina que estudava na minha sala e estava no período traumático em que se recolhe as misérias no silêncio e no riso contra vontade. Último ano de faculdade, isso é também preciso dizer. Recentemente demitido do estágio, outro fato importante desta trágica historieta.

O trabalho de conclusão de curso tive que fazer sozinho após acabar o relacionamento. Optei pela monografia clássica, cujo maior problema eram as regras da ABNT e o contato do Mr. Manson, uma vez que a parada se tratava de blogs.

Sem contexto definido, li muita coisa entre conclusões de curso, estudos, livros de cibercultura, mas nada disso me entregou de bandeja a base para tematizar meu texto. Acabei escrevendo sem rumo, separei os capítulos, fiz um trabalho de pesquisa digno, ao menos. Se tivesse tempo, Deus sabe, teria feito um compêndio sobre a blogosfera mundial.

E o mundo se degladiava dentro da minha cabeça.

Na hora de apresentar, gravei um CD com AC/DC, Explosions in the Sky, Interpol, New Order, Mogwai e God Speed You! Black Emperor, músicas de background para poder falar tranquilamente sem perder o foco e tal, me arrumei mais decentemente que no resto do ano, chamei o From e o Regino, que me deram o conforto de suas presenças.

Subi no palco, discursei para três professores que me olhavam – e se entreolhavam – com uma indiferença que jamais vou esquecer, enquanto minha orientadora (até então não mencionada no texto pois falou comigo apenas uma semana antes da apresentação) tentava claramente entender o que eu dizia. Terminei. Parei de tremer e esperei alguma observação, crítica construtiva ou coisa que acalentasse o terror da oratória.

-Você fala aqui de interatividade, pode nos explicar um pouco melhor?
-Bom, interatividade é a relação entre o leitor e o produtor do conteúdo, o blogueiro, através de comentários, de citações e hyperlinks. São as possibilidades de aproximação entre o usuário e o público.
-Mas esse é um conceito vago, não?
-Bem, o conceito geral é esse.
-Não, interatividade para o tema do seu trabalho não é isso, interatividade é como o leitor lê o blog, como isso é facilitado, como, sabe… de que forma o leitor enxerga, como ele lê, como ele acessa o site…
-Também, mas isso tem mais relação com usabilidade, que não achei necessário abordar no trabalho
-Bom, mas tem uns erros de português também e…

O que testemunhou-se a seguir foi uma execução sumária de quatro anos de estudo e disciplina (deixei de frequentar o boteco ainda no primeiro ano). Fui taxado de iletrado, pouco dedicado e analfabeto digital. Minha orientadora, na sua vez de falar, desculpou-se por não ter exercido seu trabalho corretamente e tentou amenizar a fúria desregrada dos outros professores da banca, que comandavam o excrutínio.

Tirei um sete no trabalho, média que me garantiu o diploma e a participação na festa da formatura. Embora, desde então, eu considere como se nunca tivesse terminado a faculdade.

***

Nota: A professora que começou a me escrotizar publicamente em frente de todos os meus amigos, alunos de anos anteriores e inclusive da ex-namorada em questão, costuma me adicionar em suas redes de relacionamento e me convida para sites tipo Bebo e essas redes brasileiras que prometem porcamente ser os Twitter Killers.

Trolls da vida real

ou Falta de posição (anal é coisa séria).

Estava escrevendo um texto que sairia gigante sobre o amigo secreto daqui do escritório, mas preferi abster este servidor de tamanho cansaço. Porque a galera do trampo marcando amigo secreto é a receita da preguiça, sério. Nego reclama do bar, do horário, do preço, dos pacotes de consumação, quer a comemoração no meio da semana e depois inutiliza toda essa militância pelo nada com um e-mail típico ‘gente, eu escolho o que decidirem’.

Natif, desce lá, mano

O relógio marcava errante entre três e quatro horas da manhã de segunda-feira, quando acordo de um susto e percebo que uma mulher gritava a plenos pulmões, repetidamente, na área comum do condomínio:

-NATIF, DEVOLVE A MINHA FILHAAAAA!

Deixando de lado a idéia de que a mulher era só uma maluca qualquer, noiada de crack, vagando numa madrugada e imaginando que o tal do Natif realmente desceria com sua filha e diria ‘ok, agora nos deixe em paz’, o condomínio estava sem energia elétrica e eu, que não consegui mais dormir, não pude ver o Friends maroto que passa na Warner quando ninguém está assistindo.

Sei lá, achei que esse desconforto pudesse interessar a alguém.

Life is Life

E, bem amigos, foi só agora que eu, trabalhador otário honesto desse mundo injusto, ao ocultar a barra de tarefas do Stumble Upon, perceber que estou sem comer há pelo menos 12 horas e olhar para o relógio do escritório que marca 22h03, descobri que chegou o final do ano e para nós, que vendemos produtos desnecessários que as pessoas compram como mariolas para esquecer a merda das suas vidas que trabalhamos com e-commerce, o mundo torna-se um lugar menos sadio e respeitável.

O ano inteiro é esse terror psicológico, mas em dezembro o negócio aperta seu cérebro como um vírus, invade cada centímetro de decência que ainda existe em você e faz com que você desista dela (lembre-se, eu entrei às 10 da manhã, são 10 da noite e eu ainda estou por aqui). Mais do que isso, faz você querer o começo do ano novamente, um ciclio desnecessário que não se pode interromper. Ao menos não tragicamente.

Portanto nos vemos, entre uma transpiração ou outra, quando minha cabeça funcionar durante os dias que se seguem.

A imagem é do Graphic Design Blog

Notas do trânsito

Além de toda essa minha biografia jornalista, escritor e whatever, sou também criador e cool hunter de jargões politicamente incorretos para um trânsito menos opaco. Isso tudo, basicamente consiste em inventar e perceber expressões e frases de efeito para serem utilizadas sem critério, em qualquer ocasião, neste emaranhado de ruas que chamamos de cidade.

Existe também uma linha padrão para esse tipo de criação: é feito sempre quando minha garota está no carro. Quanto mais vergonha ela sente, mais eficiente é a expressão.

A mais nova – que eu não me arrisco mais a dizer ao lado da Denise, depois de um pedido formal (ameaças included) – acontece quando você pára num cruzamento e o carro na outra rua também pára. Você dá sinal para ele passar, mas ele não passa e só acaba saindo do lugar quando você também decide sair. Daí você rasga na frente dele e quando passa o mais próximo possível do carro, grita:

-TÁ INDECISO? DILMA É 13!

Acredito que não seja necessário esmiuçar aqui todo esse enorme trabalho de pesquisa sociológica por trás dessas expressões (mesmo se existisse algum).


1. Post na vibe do Curso de Etiqueta para Principiantes, um dos sensacionais blogs aleatórios do meu amigo Sandro.
2. Não, eu não votei na Dilma.

Três negros e meu sonho de Copa do mundo

Estávamos assistindo a Copa do Mundo USA de um ano qualquer. Era um negócio bem 3D, dava pra ver o jogo perfeitamente, o bar era bacana, as garçonetes prestativas, a coisa toda.

Foi quando, do.nada, levanta o Akon do outro lado do bar e bate numa garçonete, que cai no chão aos prantos, derrubando a bandeja com copos e guardanapos. Um pessoal, indignado vai pra cima do cantor, que continua rindo e bebendo, como se nada de terrível tivesse acontecido.

O pessoal reclama, mas não faz nada a respeito e sai de perto.

É nesse instante que eu, já cego de raiva, levanto e parto pra cima do Akon, que de relance segura meu soco, mas depois não aguenta quando eu o coloco no chão e esmurro sua cara. Ele fica desacordado por alguns minutos, se mexendo pouco. Volto pra minha mesa, com as mãos ensanguentadas e recuperando minha visão moral dos fatos.

Quando ele acorda e se levanta na mesa, volto lá. Mas, como por encanto, o Akon tinha virado o Adolfo (eles são parecidos mesmo), amigo meu. Discutimos muito, ele disse que eu não deveria me intrometer, a vida era dele etc.

Ele se levanta. Quando eu viro a cara, ele se transforma no Daniel, outro amigo, que com os olhos roxos pelas porradas estava também desgostoso comigo e com o Guto, que agora me ajudava para que ele percebesse a merda que tinha feito ao bater na garçonete (perceba, era a mesma pessoa que se transformava em várias).

Dizíamos algo como ‘Mano, quando você fizer dessas a gente vai te dar três tapas na cara, seu puto’. Ele começa a voltar da bebedeira em que se encontrava, pega um prato de salada de tomate e joga nos meus ombros com um ‘vão à merda vocês’.

Um sonho sem final, como todos os outros, mas categoricamente épico.

Copacabana, Bitch

“(…)São as primeiras gravações do Gil no exílio, feitas em dois canais e são só seis músicas, mas, repito, destrói com garbo, elegância e bicho-grilice, toda a onda atual de violãozinho. É tipo você se achar foda porque é designer de flyer duma balada de moderno e de repente descobrir que seu vô inventou o LSD”

Trecho extraído da resenha do disco Copacabana Moun Amour, de Gilberto Gil, na revista Vice desse mês.

Manifesto para que nos deixem em paz

O envelhecimento precoce traz à tona o que temos de pior, aflora as angústias, polui os pensamentos e cataloga nossas depressões em ordem alfa-numérica. Uma das características dessa minha fase é a aceitação do que não seremos em nossas vidas. Saber que você tem quase 30 e um carguinho ‘na área’, acaba se tornando a única forma de se sentir mais humano e menos especial, como todo mundo.

Tudo o que me incomoda, que me joga um balde de água fria, tudo o que faz com que eu não tenha sonhos, ambições ou metas a cumprir (pra enlouquecer de vez a Denise) é saber o que eu não posso mais fazer, seja porque não cabe mais a um homem de minha idade sair para colar cartazes de shows punks na rua Augusta, seja porque é inviável financeiramente manter bandas, zines e posturas.

A teoria aqui mostrada é que o desenvolvimento do homem dá margem para que toda a sociedade lhe diga o que fazer, como ser, ou defina que espécie de aparelho portátil para abdominais e geladeira duplex você deve comprar para que alguém mais além da sua mãe tenha seu nome na agenda telefônica.

Desde pequeno você ouve seus pais. E alguns anos depois de uma conturbada juventude permissivamente rebelde, você volta a ouvi-los. E, inconsciente, gostaria de ter apenas eles para ouvir, como quando era um bebê nos colos sangrentos da sociedade (ok, nessa eu peguei pesado).

No fundo, ninguém quer ser criança novamente. Ninguém quer se machucar nos brinquedos do play, quebrar a perna pela primeira vez ou ser enganado pelo tiozinho do cachorro-quente que jurou que ia voltar com o troco da sua mãe.

Só queremos menos regras, menos gurus dizendo o que temos de fazer para que nossa vida dê certo, menos Patrycias Travassos e garotos propaganda usando verbos imperativos. Só queremos que nos deixem viver nossas vidas da maneira que bem entendermos.

E quando digo isso tudo em terceira pessoa estou apenas tentando colocar toda minha geração junta nessa depressão que é tão minha. Desejo um forte abraço a todos os envolvidos.

Quase fiz uma piada com ‘panela depressão’, mas não o fiz. Podem me agradecer nos comentários.