“Com insônia, nada é real”

Daí você precisa comprar copos descartáveis porque todo mundo viajou e você precisa evitar que algum geógrafo apareça na sua porta para dar um nome científico à pilha de louças sujas na pia. E você vai no atacadista perto de casa, porque não existe melhor forma de comprar 50 copos descartáveis.

Você se esquece do dia 5.
Você se esquece que é véspera de feriado.

A quantidade de gente/carrinhos na fila é como um jogo fechado de dominó humano. Ninguém anda. Você começa a notar os ovos de páscoa sumindo e lembra a cena da toupeira roubando flores naquele desenho da Disney. Você sutilmente ignora os sinais que o mundo lhe oferece enquanto disputa as bandejas de frios com uma tiazinha empolgada.

[corte seco na história]

Como foi que eu cheguei em casa com três pastéis do Sacolão e duas caixas de cerveja é uma resposta que você não vai encontrar em nenhum dos 24 volumes de Freud, sério.

O mundo das pessoas normais

Outro dia segui o raciocínio que me leva a crer que sou muito moleque pro mundo. Por ter que, daqui umas semanas, perguntar pro Adolfo o que significa aquela sigla do imposto de renda e se eu preciso mesmo colocar tudo aquilo e PRA QUE MANO, PRA QUE?. Porque um dia, alguém de bom coração vai me ensinar como foi que deu tudo errado pro mundo e como é que tem gente do mesmo bairro que eu comprando tênis de marca custando 600 realidades. E talvez me dando sinais de como é que eu fui parar longe deles. Porque a nossa noção do que é certo e errado só depende de nós mesmos. Pode ser que eu queira amanhã assinar a Veja, acreditar no Pondé e entrar numa via de mão única pra vida a qual hoje eu não preciso. Não hoje, nunca hoje. Sentado no sofá de casa com minhas três músicas no violão, com o John Mayer que a Camila me ensinou a escutar, tomando a Glacial que o From me ensinou a beber, lembrando do Leo sobre não postar qualquer foto no Facebook (é sempre bom evitar um murro na cara, fica a dica pras futuras gerações).

É então que a gente descobre que não existe isso de se sentir moleque. Eu passei um tempão da minha vida com essa frase na cabeça “não há nada aqui pra mim ou pra você”, puta que fase, uns 45 dias de MSN, acredito. Porque eu só conseguia enxergar esse pessimismo como única forma de escapar da tragédia de viver nos limites, numa cerca infantil cheia de brinquedos da Alô Bebê enquanto seus pais assistem televisão. De qualquer forma, viver a sua vida é não precisar provar nada pra ninguém, e o mundo das pessoas normais é o mesmo mundo que o seu. Acredite, você é uma puta pessoa normal, talvez com um cercadinho um pouco mais amplo que os outros (do seu ponto de vista, óbvio). E isso você só consegue descobrir sozinho, por mais abas de comunicador instantâneo que seu windows vista consiga suportar.

“They love to tell you ‘stay inside the lines’
But something’s better on the other side”

Imperfeições

Olhava o ecrã do notebook como se procurasse espaços escuros para enxergar meus próprios olhos no reflexo, para ampliar o alcance e ir mais fundo, cavar a alma, organizar com a habilidade de um tetris aquele pequeno canto reservado às dificuldades que imponho à vida, das complicações às quais somos reféns. E na bola do olho tem uma verdade que se esconde e responde todas as coisas, mas não é tão fácil assim reconhecer-se através dos próprios olhos.

Tenho fases difíceis na vida e, como que de maneira autoexplicativa, esta não é uma delas. Um amigo me disse que é maturidade. É possível. Faz muito tempo que não estive tão disposto a ser exatamente o que sou, a dizer o que penso e às pessoas certas. Haja o que houver, a vida segue em frente. A sua vida segue em frente, ninguém vai tirar isso de você (mas evite aproximar um disco do Smiths de uma corda ou artefato afiado, pode ser um ultimato).

Estou relembrando como é dizer coisas sobre si mesmo sem citar fatos ou contar histórias menores para ilustrar. Às vezes eu esqueço desse mundo das ideias. Porque no mundo real, as pessoas conversam, se relacionam e mantém vivas as estruturas sociais e seus pequenos guetos de afinidade, mas no fundo, se você parar um minuto e se perguntar melhor, vai perceber que ninguém se conhece, ninguém sabe praticamente nada sobre o outro, sobre o próximo (pra citar uma palavra bíblica). Você conhece uma representação física, mas não sabe os maiores medos e os verdadeiros anseios de quem pode passar a vida inteira do seu lado.

Em resumo, as pessoas se adaptam a limites, barreiras de convivência e minúcias desnecessárias da vida alheia que fazem a história da civilização esse grande programa do Nelson Rubens aumentando, mas não inventando sobre a vida de grandes homens. Detalhes. No fundo, nós apenas ‘queremos perfeição e nos lambuzamos com as imperfeições dos outros’.

Existe espaço para a verdade no mundo solitário que Jürgen Schmieder criou quando tentou dizer apenas a verdade durante 40 dias e perdeu quase todas as relações pessoais. Exatamente o contexto daquele Renato era Chato. Não temos mais esse direito de violar os limites, de extrapolar as conversas abertas que precisam de um ponto final, se alimentam da neurose, do cochicho, das suposições e pré julgamentos. Ninguém mais tem direito a responder um ‘e aí, beleza?’ com um simples ‘não, briguei com a mulher, dormi no sofá e tô com uma dor de estômago absurda, fui no banheiro três vezes e nada, conhece algum remédio?’. Talvez ninguém jamais tenha tido esse direito.

O que pode significar levar todos os seus segredos para o caixão e viver uma vida de aparências bonita e tediosa. Mas esse sou só eu tentando me convencer de que nunca temos saída pra nada.

Ser lembrado

A cena a seguir é de Wilfred. Contém spoilers. Digo, contém praticamente um capítulo resumido do seriado (S01E10), portanto, se pretende assistir, não leia. Eu curto fazer isso com cenas que representam alguma coisa pra mim, portanto, me julguem.

No bairro tranquilo em que o seriado é ambientado, um ladrão resolve quebrar os vidros dos carros e roubar tudo de dentro dos veículos. Os vizinhos desconfiam de Ryan, cujo carro permanece intocado.  A pedido de Wilfred (o cachorro que fala, sério, assistam), no dia seguinte Ryan comparece na festa do bairro que já vinha sendo organizada, mas é hostilizado e volta antes de terminar. Ao chegar em casa, encontra o mendigo local revirando seu lixo:

MENDIGO: Isso é tão vergonhoso, pensei que ainda estaria na festa.
RYAN: Não era o meu lugar.
MENDIGO: Por que não estou surpreso? Típico comportamento de cara solitário. Comida congelada, vários lenços grudentos. E isso, só duas ligações mês passado. Isso é muito triste, Ryan.
RYAN: Você sabe meu nome?
MENDIGO: Eu sei o número do seu CPF. Você precisa mesmo de um triturador.
RYAN: Quer saber? Vá em frente. Roube minha identidade. Seja feliz sendo eu.
MENDIGO: Você parece comigo quando era mais novo.
RYAN: Que encorajador.
MENDIGO: Vim pra cá em 1977. Não falava a língua aquela época, então… Difícil fazer amigos, aí eu parei de tentar. A solidão me tomou. Depressão. Arruinei a minha vida. Quando eu morrer, será como se eu nunca tivesse existido. Serei esquecido. Peguei pesado, né? hahah
RYAN: Então esse é meu futuro.
MENDIGO: Não precisa ser. Ryan, você precisa se comunicar, criar uma conexão com seus amigos humanos. Você pode começar comigo agora, me deixando bater uma pra você por 20 dólares.
RYAN: Que?
MENDIGO: Preciso de heroína, cara.

Uma reviravolta depois, Ryan é inocentado, primeiro culpam um garotinho do bairro e depois o mendigo em questão, que é encontrado morto e com os itens roubados em seu carrinho.

RYAN: Wilfred, diga que não matou o mendigo.
WILFRED: Claro que não, Ryan. Só deixei 20 dólares pra ele. Mas o quadro de papelão que ele tinha era bem claro. O dinheiro era para comida, não para drogas. Além do mais, ele conseguiu o que queria.
RYAN: Ser lembrado como um morto viciado que roubou as coisas deles?
WILFRED: Exatamente. Ser lembrado.

Uma spin-off versão do diretor

Era uma noite de sábado e passava das onze e meia. Estávamos no quarto assistindo a segunda temporada de um seriado que gostamos. Como eu já tinha visto alguns dos capítulos, saí para comprar cigarros e deixei ela deitada vendo TV.

Quando peguei o carro para ir até a loja de conveniência fazia um friozinho bom, daqueles pra se manter debaixo do edredon com quem quer que seja que você ame. Peguei o maço de cigarros, o frentista disse que eles estavam com um problema para passar o cartão, mas que seria resolvido em 20 minutos no máximo, então fiquei fumando no canto do posto de gasolina.

Ao olhar pros lados sinto uma calmaria intensa, mesmo para uma noite de sábado. Nessa hora aparece um carro bem lá na avenida, cheio de gente, cabeças pra fora e som alto. Descem cinco pessoas. Cinco amigos muito próximos. Bêbados, exaltados, felizes, estavam vindo comprar cigarro e mais algumas coisas para levar na festa que já estava rolando na casa de um deles. Me chamaram mais de três vezes, mais de três vezes eu neguei, com aquele pequeno remorso que sempre existe quando isso acontece.

Eles partiram, eu entrei e paguei o cigarro. Entrei no carro pensando muito sobre o que aconteceria se eu estivesse naquele posto antes do natal de 2008 quando comecei a namorar com a Denise. Perguntei se meu coração estava mesmo naquele edredon, em casa. Pensei se tudo aquilo valia a pena, voltar pra casa, ficar com ela vendo TV até adormecer. E aquele pequeno remorso por não ter ido voltou mais forte quando estacionei o carro e entrei em casa.

Deixei o maço sobre a mesa, tirei o tênis e, ao abrir a porta do quarto, ela estava quietinha, iluminada apenas pela luz da TV e me olhou com os olhos mais vivos do mundo, abrindo um sorriso que iluminou o quarto inteiro e fez toda aquela dúvida desaparecer como que por encanto. Voltei pra sala e deixei as lágrimas escorrendo enquanto ela continuava vendo o seriado e depois voltei pro quarto pra contar o que tinha acontecido. No fim das contas eu e ela fizemos tudo valer a pena e eu pude acertar o lugar em que estava meu coração.

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Pra vocês que estão acompanhando esse middle season, não está tudo bem ainda, estamos reformulando os contratos da terceira temporada, sem previsão para retorno. =/

Pádua

Trago comigo pouca coisa dos tempos de escola. Pelo menos disso tudo que está às vistas. Sei do fator de formação que a escola exerce sobre cada um, descobri isso com o tempo, todo mundo acaba descobrindo. Aquelas bases de conhecimento que de tão perdidas no tempo parece que nasceram com você.

O maior ensinamento que tive na escola veio com o professor Pádua, de física, em sua última aula de 2001, a qual ele encerrou cinco minutos antes do horário usual após uma explicação qualquer e começou um discurso simples, destinado аs crianças que éramos, sobre como dali pra frente as coisas iriam mudar entre nós. Sobre o tempo em que você demoraria até encontrar algumas pessoas cuja convivência havia sido rigorosamente diária durante todos aqueles anos. Disse algo sobre a possibilidade de ainda estarmos ligados no ano seguinte, mas e em cinco, em dez? Lembro das meninas chorando e do arrepio na espinha que deu quando ele terminou a aula da maneira sempre eventual, numa frase que agora não me lembro.

A grande lição que um dia temos de aprender é a de que as coisas mudam e você tem de abrir mão. Nem todos os amigos são como aquele meu último boneco Comandos em Ação guardado no meu baú de tesouros, com as pernas descoladas do tronco, preservando ainda um sorriso no rosto intacto, felicidade que o tempo não teve capacidade de alterar
.
Alguns amigos ainda estão por aí, aceitando quem somos e o que nos tornamos depois de toda aquela euforia dos nossos primeiros anos de amizade.

Minha única tristeza no momento é que este texto trata exatamente daqueles que se vão por opiniões diferentes, por posturas opostas, pois não fazem mais parte da nossa vida, para evitar problemas futuros, para desfazer as lembranças que trazem, enfim.

Passei a semana inteira pensando em como escrever sobre esse meu amigo que decidiu essa semana que não éramos mais amigos, por divergências de maturidade. Pra resumir essa parada e não transformar esse blog num diário my sweet sixteen, diria que achei uma decisão injusta, talvez necessária, embora essencialmente injusta.

E lembrar do Pádua, meu eterno professor de física, me trouxe de volta a sensação do LOST, de que vivemos juntos e morremos sozinhos. Embora possamos ainda encontrar uma saída menos frustrante a cada pequeno revés da nossa existência para que talvez essa fração da realidade nos fortaleça um pouco mais.

Vou começar consertando meu Comandos em Ação.

A vida, o universo e tudo mais

Peguei para reler O Guia do Mochileiro das Galáxias depois que a Mariana fez uma associação leve sobre o início da história com essa brand story do Bruno.

É possível que o humor às vezes quase imperceptível de Douglas Adams seja uma das mais evidentes influências que eu tenha na vida depois das cartas que meu pai escrevia à minha mãe quando eu era um bebê (e um dia devem estar neste blog, promessa feita).

Portanto, eis aqui a introdução de seu livro mais famoso (do Douglas Adams, não do meu pai):

Muito além, nos confins inexplorados da região mais brega da Borda Ocidental desta Galáxia, há um pequeno sol amarelo e esquecido.

Girando em torno deste sol, a uma distância de cerca de 148 milhões de quilômetros, há um planetinha verde-azulado absolutamente insignificante, cujas formas de vida, descendentes de primatas, são tão extraordinariamente primitivos que ainda acham que relógios digitais são uma grande idéia.

Este planeta tem – ou melhor, tinha – o seguinte problema: a maioria de seus habitantes estava quase sempre infeliz. Foram sugeridas muitas soluções para esse problema, mas a maior parte delas dizia respeito basicamente à movimentação de pequenos pedaços de papel colorido com números impressos, o que é curioso, já que no geral não eram os tais pedaços de papel colorido que se sentiam infelizes.

E assim o problema continuava sem solução. Muitas pessoas eram más, e a maioria delas era muito infeliz, mesmo as que tinham relógios digitais.

Um número cada vez maior de pessoas acreditava que havia sido um erro terrível da espécie descer das árvores. Algumas diziam que até mesmo subir nas árvores tinha sido uma péssima idéia, e que ninguém jamais deveria ter saído do mar.

E, então, uma quinta-feira, quase dois mil anos depois que um homem foi pregado num pedaço de madeira por ter dito que seria ótimo se as pessoas fossem legais umas com as outras para variar, uma garota, sozinha numa pequena lanchonete em Rickmansworth, de repente compreendeu o que tinha dado errado todo esse tempo e finalmente entendeu como o mundo poderia se tornar um lugar bom e feliz. Desta vez estava tudo certo, ia funcionar, e ninguém teria que ser pregado em coisa nenhuma.

Infelizmente, porém, antes que ela pudesse telefonar para alguém e contar sua descoberta, aconteceu uma catástrofe terrível e idiota, e a idéia perdeu-se para todo o sempre.

Esta não é a história dessa garota.

É a história daquela catástrofe terrível e idiota, e de algumas de suas conseqüências.

É também a história de um livro, chamado O Guia do Mochileiro das Galáxias – um livro que não é da Terra, jamais foi publicado na Terra e, até o dia em que ocorreu a terrível catástrofe, nenhum terráqueo jamais o tinha visto ou sequer ouvido falar dele.

Apesar disso, é um livro realmente extraordinário.

Na verdade, foi provavelmente o mais extraordinário dos livros publicados pelas grandes editoras de Ursa Menor – editoras das quais nenhum terráqueo jamais ouvira falar, também.

O livro é não apenas uma obra extraordinária como também um tremendo best-seller – mais popular que a Enciclopédia Celestial do Lar, mais vendido que Mais Cinqüenta e Três Coisas Para Se Fazer em Gravidade Zero, e mais polêmico que a colossal trilogia filosófica de Oolonn Colluphid, Onde Deus Errou, Mais Alguns Grandes Erros de Deus e Quem é Esse Tal de Deus Afinal?

Em muitas das civilizações mais tranqüilonas da Borda Oriental da Galáxia, O Guia do Mochileiro das Galáxias já substituiu a grande Enciclopédia Galáctica como repositório-padrão de todo conhecimento e sabedoria, pois ainda que contenha muitas omissões e textos apócrifos, ou pelo menos terrivelmente incorretos, ele é superior à obra mais antiga e mais prosaica em dois aspectos importantes.

Em primeiro lugar, é ligeiramente mais barato; em segundo lugar, traz impressa na capa, em letras garrafais e amigáveis, a frase NÃO ENTRE EM PÂNICO.

Mas a história daquela quinta-feira terrível e idiota, a história de suas extraordinárias conseqüências, a história das interligações inextricáveis entre suas conseqüências e este livro extraordinário – tudo isso teve um começo muito simples.

Começou com uma casa.

Toma que o mundo é seu

Hoje, o amigo F. me lembrou de um filme que devo ter assistido na Tela Quente ou Temperatura Máxima nos idos dos anos 90. Se chama ‘Encurralados’ e conta a história de um homem perseguido por um motorista enfurecido num caminhão, bem, com esse resumo – e caso tenham quase 30 anos – vocês já devem ter se lembrado também.

Apesar de ficção, foi minha primeira experiência de contato com o fato de que qualquer pessoa no mundo pode fazer o que lhe der na telha (olha as gírias datadas) com o que está a sua volta. O filme não falava de um mundo paralelo, não eram fadas, magia, nem o Leslie Nielsen deixando uma estátua excitada. Era apenas um motorista de caminhão perseguindo um cara que dirigia um carro. Nada tão distante assim da realidade.

De um lado, esse filme me deu a sensação de que qualquer merda poderia acontecer a qualquer momento, porque depois você descobre que as pessoas fora de um parâmetro de sanidade podem quebrar vidros de lojas quando o time de futebol perde o campeonato, ou te agredir com um taco de baseball dentro de uma livraria ou implodir um poste, sempre que quiserem.

Por um outro lado – o que prefiro me lembrar -, ‘Encurralado’ me garantiu aquela sensação de que você pode fazer o que quiser e alterar a realidade da forma que você bem entender, seja qual for a ocasião. E que não é uma placa de ‘não pise na grama’ que vai impedir seu picnic.

***

A parte boa de toda essa lorota é que o filme inteiro dublado está disponível no youtube:

‘O mundo é dos espertos’

Quando começo a tentar rever meu passado e descobrir como é que foi que eu consegui tamanho distanciamento com o mundo das pessoas comuns, eu me lembro dessa frase do título. Ouvir isso da minha mãe quando ela dizia que meu irmão era esperto e eu era errado por ficar quieto ou não responder, ou não agir, teve um peso quase absoluto no meu processo pessoal de misantropia assistida.

É que eu não conseguia entender como, para ela, o fato de alguém se dar bem sobre outra pessoa era importante para a vida. Mas não me entenda errado, não tem relação com as outras pessoas. Não estou dizendo que desde pequeno sou um humanista de sensibilidade ímpar, que dá a cara para bater e ama o próximo a valer (pega essa rima). Eu só não queria nada além das coisas do jeito certo. Mas eu tinha que ser esperto.

Sempre fui esse cara tímido e que, geralmente, as pessoas julgam saber mais, entender mais dos assuntos da vida e não vêem dificuldades de passar na frente ou pegar o lugar na fila. É possível que tudo isso seja verdade e que após todo esse processo de descobrimento psicológico o qual me enveredei umas semanas atrás, eu consiga descobrir alguma ambição pra chamar de minha. Isso se esse processo realmente tiver fim.

A grande verdade, camaradas, é que amadureci nesse ponto (só nesse ponto, Denise, eu sei). Entendi o que é uma pessoa esperta e de que formas ela pode agir para conseguir o que quer. Quando você entende algo por completo, você descobre de bônus que parte daquilo funciona pra você. Isso não significa usar das mesmas práticas de determinadas pessoas espertas na visão de praticidade e ligeireza da minha mãe. Mas conseguir um bom panorama de fora e dar a volta nesse processo de ser esperto, ou mesmo entender quando alguém tenta dar uma de sabichão pra cima de você, já me vale mais que o dobro.

Sozinho eu sou agora o meu inimigo íntimo

Sabe aquela fase da vida em que é extremamente difícil ser quem você é? Você começa a descobrir que as paradas do seu passado não ficaram bem trancadas naquela gavetinha mirrada e os fantasmas vão sempre estar por aí, como o cadáver do Jackie Boy oferecendo cigarros no Sin City: ‘Nobody ever really quits. A smoker’s a smoker when the chips are down. And your chips are down’. Não importa quantos capítulos da série do Drauzio Varella você consiga assistir de uma vez, um fumante sempre será um fumante quando as coisas piorarem.

Como de costume, não é esse o ponto.

Você precisa lidar com o fato de que ninguém vai entender você. Mesmo que terapeutas lhe ajudem a descobrir mais sobre quem você é. Não existe melhor amigo que um papel e uma caneta (um notepad também funciona). É ali que se consegue dizer qualquer coisa sem rodeios, explorar frases e assim conseguir dizer exatamente o que se passa na minha cabeça. Mesmo que você perca o ponto e passe a confundir se o texto é para o leitor ou para você mesmo.

Mas, pois é, pra piorar tudo, ninguém que te ouve consegue entender exatamente o que você quer. Porque é pra você que as coisas precisam acontecer, não pras pessoas que te ouvem. Ninguém tá afim de saber se sua vida é incrível e cheia de aventuras – acabo de reduzir a pó qualquer conceito de rede social. Minto. As pessoas curtem saber o que você está fazendo, para que exista uma base de comparação com as vidas delas. Só assim elas poderiam julgar se sua vida está melhor ou pior na concepção que elas fazerm do que é melhor e pior. É assim que o mundo caminha sem andar pra frente. Com esse monte de agências de publicidade (uma) me contratando pra freela e atrasando um pagamento de cem reais. Que, aliás, não paga nem nosso jantar no El Kabong dia desses, vocês viram meu check-in no Foursquare?

Só incoerências bonitas.

No fundo, eu vou desvirtuando até onde posso, para evitar amadurecer. Vou lendo meus livros fajutos (já aprendi) e acumulando conhecimento que provavelmente não vai me servir pra nada no futuro, talvez só pra inventar umas historietas pros netos (se não rolar um heart attack prematuro antes dos trinta). E a Denise vai enlouquecendo com essas minhas crises babacas que não chegam a lugar algum e só servem pra mostrar o quanto eu ainda evito envelhecer. O ponto é superar a síndrome de Peter Pan, mesmo sem confiar em terapeuta nenhum. Outra incoerência, se tenho problemas de sociabilidade e de me expor com as pessoas que já conheço, como é que vou revelar coisas e falar sobre minha vida a um completo desconhecido?

Logo eu que sempre achei legal ser tão errado descobri o caminho para a luz voltando pela marginal pinheiros no domingo, com um discernimento digno de se considerar divino. Sério, nunca chegaria sozinho às conclusões que cheguei no último final de semana. Ainda que não consiga explicar todas, basicamente se trata de como eu encaro essa beleza que é viver, porque não encaro como toda essa beleza deveria ser encarada e porque eu deixei chegar naquele ponto mágico do relacionamento em que a namorada sugere que você procure um terapeuta. Não é só falta de vontade que me abate é falta de alguém que consiga tirar tudo isso da minha cabeça sem precisar de uma lobotomia ou um livro de frases feitas que me coloquem pra cima.

veja o resto do quadrinho absolutamente relacionado ao assunto no 9gag