Yo Dawg I heard you like dreaming

Uma vez tive um sonho de um sonho de um sonho. Pois é, aconteceu de novo e reporto aqui as minúcias.

Foi o seguinte.

(terceiro nível)

Eu tinha que entrar escondido na casa de alguns parentes meus e salvar todo mundo das garras de um opressor qualquer que os mantinha como escravos. Pensando por um lado, só esse sonho já renderia uma bela história. As cenas eram eu caminhando pelo esgoto, enquanto pintava o rosto com clorofila, subia escadas e atirava em bandidos. Uma espécie de Rambo mambembe. Rambembe. Sabia que alguém ia pensar no trocadilho.

E depois de toda uma tensão, eu salvo todo mundo, final feliz, vou pra casa descansar.

(segundo nível)

Acordo, como de um coma. Está tudo diferente. Pergunto o que são todas aquelas coisas, pessoas, de quem é aquela casa? Vejo que estamos dois dias a frente, mas na verdade estávamos dois anos e dois dias a frente, algo assim.

Vou até a casa dos parentes que salvei e os encontro em estado deplorável, com crianças subnutridas e membros atrofiados, lepra, gente apodrecendo, essas coisas, como estavam antes de salvá-los.

Na volta pra casa, encontro dois amigos, um deles de muito tempo atrás, o George, que era um gênio da escola. Conversamos sobre como anda a vida, ele tenta explicar, diz que TINHA ACABADO DE VENDER UM PRÉDIO ALI PERTO, mas aí desabafa:

– Olha, tá ivnerossímil, né, eu sei. Eu trabalho com implantes de lembranças na cabeça das pessoas, você só acha que aconteceu o que aconteceu, mas na verdade…
– Como assim, velho? Eu salvei aquela galera, agora eles estão ferrados.
– Sei, você subiu pelo esgoto, matou os bandidos, né?
– É, e… não é possível que foi você.
– Sim, fui eu.

(primeiro nível)

Estava com meu irmão e outro amigo:

– Manos, vocês não sabem o sonho que tive!

E então eu contava tudo que contei pra vocês até aqui.

(e, de manhã, no limbo da realidade)

Acordo repetindo o sonho exaustivamente para não esquecer e poder passar pra frente. Rodo o totem, corro em direção às crianças, fecha a cena, música de redenção…

Lembre-se do quinto dia de novembro

O melhor filme que já vi no cinema foi V de Vingança. Não quero aqui entrar em méritos menores me perguntando se a história é igual a do quadrinho (não é) ou o fato de não ser um filme cult o bastante para alguns de meus amigos hipsters xiitas que perdi com o fim do compartilhamento moleque do Google Reader.

‘Remember, remember, the 5th november’. Passei uns anos ficando nervoso quando lembrava dessa frase no dia sete de novembro, perdendo o timing de trocar meu avatar pela máscara do Guy Fawkes e me juntar a multidão (essa é uma espécie de W.O que os amigos normais tiveram sobre mim que, claramente, não amadureci um segundo desde o colegial).

Foi nessa época que li umas paradas de Luther Blisset, o eterno heterônimo coletivo e outros textos da Wu Ming Foundation – ainda deve ter algum disponível no site.

Hoje, 5 de novembro, cinco anos depois do lançamento do filme e quase trinta anos do lançamento da revista em quadrinhos, venho aqui prestar essa “homenagem”, neste momento de ocupações mundiais, passeatas, quebra-quebra em que o Mini Manual do Guerrilheiro Urbano possa ter se transformado livro de cabeceira de uma geração. Eu sei, seria suficiente dizer que aplaudi e fiquei maluco na cadeira da sala de cinema. Mas V de Vingança se tornou um padrão para o que definir por filme bom: a oportunidade de sair do lugar tremendo e como se o mundo houevsse mudado completamente lá fora; atordoado pela quantidade de pescotapas morais e, principalmente, mais vivo do que nunca.

Schoppenhabibs

Arthur Schoppenhauer é um filósofo alemão do século retrasado que previu a possibilidade de sua obra ser traduzida para um monte de países e picada em livrinhos pocket que você encontra em gôndolas de supermercado com a frase “escreva seus próprios livros dignos de serem traduzidos e deixe outras obras como elas são”. O tradutor brinca com isso na edição que estou lendo de A arte de escrever, da L&PM.

Sinceramente, acho que é a primeira vez que leio essas introduções do tradutor, que são geralmente desnecessárias, embora neste caso tenha servido para me preparar para toda a metalinguística do malandro.

Daí que, no feriado fui no Habibs, enquanto a Denise me esperava em casa. Levei o pocket pra ler enquanto esperava meu pedido e, antes de me sentir completamente retardado por estar lendo Schoppenhauer no meio da algazarra de crianças curtindo um mini barco viking no Habibs do Capão Redondo, o autor me deu a deixa:

“Diante da imponente erudição de tais sabichões, às vezes digo para mim mesmo: Ah, essa pessoa deve ter pensado muito pouco para ter lido tanto (…) sinto a necessidade de me perguntar se o homem tinha tanta falta de pensamentos próprios que era preciso um afluxo contínuo de pensamentos alheios, como é preciso dar a quem sofre de tuberculose um caldo para manter sua vida”

Guardei no bolso e ainda não tive a moral de voltar a ler.
E desculpem , tô sem cabeça pra achar um título melhor para esse post.

I’m not there

A única diferença entre eu e Peter Parker é que eu nunca vou me transformar num homem com poderes especiais capaz de escalar prédios, salvar velhinhas e matar psicopatas em armarduras metálicas de última geração. Eu diria, é essa a diferença primordial entre nós. Aquela que faz minha história não ser escrita num gibi, nem virar uma franquia de Hollywood.

Sabe aquelas introduções de filme em que o cara é sempre um derrotado voltando do trabalho, ouvindo broncas do mundo todo e indo dormir com todo esse peso constante? Minha vida é uma espécie disso aí, mas sem o tal do plot na sequência, em que eu sou mordido por uma aranha ou conheço uma seita com a Angelina Jolie me dizendo que eu tenho habilidades adormecidas e 750 mil dólares na conta (aliás, já assistiu esse?).

Está tudo aqui, meu passado nerd, minha solidão, meu retiro desproposital, a mocinha que tenho de salvar, os amigos dos quais tenho que esconder meu disfarce, a sociedade com a qual terei de lidar, até o garotinho boquiaberto para eu passar a mão na cabeça e milimetricamente desajeitar seu cabelo. Todo o enredo da obra sobreposto por uma rotina desgastante e cercada de gente que não me olha no olho. Tudo envolto num clima de depressão bonito, como se a morte estivesse chegado, mas você tivesse que esperar ela conversar com a diretora antes de te levar pra casa.

Apesar de todo esse dramalhão, tive um final de semana fodidamente lindo ao lado da D., sério, voltei ontem pra casa bem o suficiente pra chorar de alegria enquanto ouvia qualquer coisa no carro, com os vidros entreabertos por causa da chuva. E aí ter uma segunda feira terrível de cinza no trabalho parece mais que um sinal me dizendo qual é o meu lugar, é como um motivo, um empurrão, um pescotapa moral de alguém que zela por mim seja lá onde estiver.

Eu não preciso ser um super herói da Marvel, caso você tenha entendido tudo errado até agora, mas preciso saber até quando vai essa minha vibe de vestibulando o-que-você-quer-ser-quando-você-crescer-empresário-ou-astronauta? Por enquanto, estou aqui, ainda que sem estar.

Minha realização pessoal não passa por uma banheira

(tenho quase certeza que achei essa no Book Lover)

Sempre que me perguntam sobre meu futuro, eu imagino que estejam se referindo a que tipo de instituição eu quero trabalhar para sobreviver ou que tipo de negócio gostaria de ter impresso no meu CNPJ. Se vou virar taxista, abrir um bazar ou vender sorvete na praia.

Existe uma micro lenda urbana do lugar onde moro sobre um brechó. Uma pequena casa, cheia de roupas, sapatos e acessórios usados, bem pouco frequentada. Para ilustrar melhor, fica na mesma rua da tiazinha do sorvete, que é sempre vazia e dá a oportunidade de sentar na rua (Ah, 1997).

Mas a lenda por trás desse brechó consiste no fato de que o dono deixava as portas do estabelecimento abertas e descia até a padaria da avenida para tomar seu clássico rabo de galo (Cynar + Contini). A lenda acaba aqui, porque foi assim que meu amigo B. o conheceu, tomando rabo de galo na padaria, para então descobrir que o cara era dono do brechó que ficava abandonado pelo menos três vezes durante o decorrer do dia.

Uma das coisas que tenho comigo é que meu futuro passa por uma revista ou fanzine e por uma livraria. Tenho essa imagem pouco formada ainda e espero um dia ver a foto desse sonho completa, num quadro, em casa. Não vejo dinheiro, não vejo uma casa luxuosa, ou uma banheira. Minha realização pessoal não passa por uma banheira.

Pra dizer a verdade, comecei esse post bem errado. A frase correta seria: sempre que me perguntam sobre meu futuro, me vem à cabeça eu abrindo uma livraria às 9h30 da manhã, numa manhã tranquila de primavera, acenando para um tiozinho amigo entrando na padaria e, quem sabe, não deixando ela aberta e sem ninguém tomando conta enquanto tomo um café com ele (rabo de galo essa hora da manhã não, óbvio).

Provações

Daí me contratam pra escrever o press release da carreira solo de um artista novo aí, de família influente, the whole package. Digo ‘me contratam’ para ocultar o fato de que aceitei fazer o trampo em troca de horas de gravação no estúdio do empresário dele. E o artista quer que eu escreva o release sem ouvir suas músicas. Imploro uma. O autista anexa um MP3, uma música dessas de praia, que é reggae sem ser, é pop sem ser, fala de onda, vento, mar, praia, mas opa! Um momento, ele não quer que você mencione a palavra ‘praia’ em lugar nenhum do seu texto, se vira nos 3000 (caracteres) e esquece review do NME, sua almejada carreira musical não tá das melhores, amigo, supere.

E volto pro trabalho no pós feriado, passo a madrugada vendo Breaking Bad, perco a hora e chego tarde, desmaio no metrô, fico com síndrome de perseguição no trem me perguntando se minha cara estaria tão ruim assim. E estava. Chego no trabalho, termino de subir exatamente 20.609 (vinte mil seiscentos e nove, isso) arquivos no FTP, tentando entender de que forma isso vai me ajudar minha carreira um dia. E então chamam toda a fileira para responder uma pesquisa de satisfação sobre a empresa, coisa simples, 60 questões de múltipla escolha sobre as condições de trabalho, sobre o que está certo e o que está errado, até a derradeira pergunta de mil reais: “Você se sente realizado com o seu cargo?”

Quase levantei dizendo “gente, chama o big shot lá, precisamos ter uma longa conversa”.

Neosorolândia

Gripe é tudo isso que faz a gente pensar que viver debaixo de um cobertor é sempre uma opção possível. Posso listar aqui as medidas que tomei a partir do momento em que me peguei tomando chuva e vento forte no último sábado: (a) me mantive na chuva e no vento forte do sábado com uma blusa leve (b) não tomei remédios durante a semana (c) fumei e bebi como um condenado à cadeira elétrica resisti na minha fidelidade ao suco de laranja.

Luciana, minha amiga que escreve umas paradas sobre noivas nesse site (publicidade do bem), me contou que era viciada nessas soluções nasais que abrem nosso nariz para respirar melhor sem ter que dormir sentado, essas coisas.

Virou assunto da roda no mesmo momento. Não imaginei que nada disso pudesse viciar alguém. A imagem automática na minha cabeça era uma praça da Sé tomada de desabrigados lutando pela última gota de Rinosoro, enquanto um pós adolescente passa na Mercedes do seu pai usando uma versão spray sorrindo e buzinando para uma menor de idade amendrontada na porta da farmácia (eu sei, vou longe nisso).

Nenhum desses remédios tinha funcionado bem comigo, até eu descobrir o Neosoro, o néctar definitivo do nariz desentupido. Passei dois dias inteiros ao lado de um e comecei a ter uns ataques neuróticos quando, numa consulta no meio da tarde, percebi que havia esquecido ele no escritório.

Portanto, guardem meu edredon, meu maço de Eight e meu carrinho de supermercado, porque a cracolândia dos narizes entupidos ganhou mais um adepto.

Bonner e Gentili, uma bonita amizade

Eu assistia o Jornal Nacional, quando, no último bloco, William Bonner começa a divagar sobre seu mais novo amigo, o Danilo Gentili, que lhe fez uma homenagem. Bonner discutia a real importância de usar roupas sociais e sobre o caráter formal do jornalismo, uma vez que Danilo era um verdadeiro mestre em unir o humor ao noticiário de maneira brilhante, brilhante!

– Denise, você percebeu que ele tá com uma camisa de seda verde limão?
– hauhauhauhhahah, ninguém merece.

Bonner, que agora manifestava-se na TV como um amigo próximo, um quase irmão de seu telespectador, abaixa a câmera para mostrar que está descalço e com um shorts de futebol. Rindo alto, manda um abraço para seu amigão Danilo, coloca os pés nus na bancada do JN e cruza os braços, como se o seu trabalho estivesse cumprido.

***
Esse aí não dá nem pra procurar no dicionário de sonhos.

O Aprendiz: Bicos

Me alistei num desses trabalhos de fim de semana. Desses que a gente tem vergonha de dizer por fazer parte de uma classe média que não consegue admitir que um marceneiro ganhe mais dinheiro que um analista de mídias sociais (nota mental: escrever sobre isso qualquer dia). Não, não é marcenaria. Agora, em alguns finais de semana, sou digitador de contratos nesses stands de venda de condomínios.

Não é um trabalho de todo mal, eles entendem que estão te roubando seus dias de descanso e até pagam relativamente bem. Não foi tempo perdido, somos tão jovens. Pra resumir a função: um casal feliz passa em frente ao stand de vendas e decide comprar um apartamento. Levam os documentos, preenchem formulários e aguardam enquanto eu encaixo todas as informações num modelo de contrato em duas vias com uma formatação horrível, cheio de redundâncias e subtítulos.

Posso dizer que dei um valor muito maior ao meu emprego atual depois do meu segundo dia de trabalho nesse famigerado bico. É necessário pra comprar uns presentes e pagar as contas. Quando eu tinha uns 19 anos descobri do pior jeito que vender não era meu forte e agora descobri que não tenho muito apreço por gente que vende, gente que precisa vender pra garantir comissão. Portanto se minha vida dependesse disso, eu pensaria duas vezes antes de aceitar. Nesse nível.

Eles têm coragem de me chamar de freelancer. O que não deixa de ser verdade e confere até um certo profissionalismo. MINTO. Confere o único profissionalismo do lugar. É uma espécie de remake de Loucademia de Polícia, mas neste caso o Eddie Murphy é uma gordinha simpática com síndrome de gatinha cantando Pôneis Malditos de.hora.em.hora. Aquela velha sensação de que todos os softwares são ilegais, a rede sem fio é roubada do vizinho e o dinheiro que te pagam é proveniente de uma vaquinha dos funcionários. Eu devia ter desconfiado quando eles exigiram que eu tivesse um veículo próprio, mas mudaram de assunto quando perguntei se eles pagavam combustível (o que, convenhamos, devia ser uma pergunta desnecessária).

Estou naquele impasse de deixar pra lá, afinal, todo mundo entende que você está sem grana pra comprar aquele presente de aniversário; ou então continuar, afinal, acontece apenas uma ou duas vezes por mês, a grana vale a pena e, com a trilha sonora certa, a ida e a volta podem ajudar muito. Vamos ver como me comporto quando vier uma nova escala, porque uma gordinha saliente (diria minha mãe) cantando uma música chata não é exatamente o tipo de coisa que me incentivaria a continuar com isso.

Se pá

Se pá eu não consiga encontrar um bom texto que comece com ‘se pá’. Se pá, nada do que eu realmente quis pra minha vida aconteceu, mas se pá o que veio em consequência disso tenha dado uma volta em torno do eixo e se mostrado tão bom ou até melhor. Se pá eu só não consiga enxergar isso de um jeito que me faça completo. Se pá cheguei naquele ponto crucial em que cada escolha que eu fizer vai parecer absolutamente desacertada. Se pá, acabei de descobrir que esse termo é flexível com os verbos. Se pá me sentir parte de uma multidão caminhando na baldeação da estação Santo Amaro um dia possa fazer um sentido maior pra mim. Se pá a gente nunca encontre sentido em nada e esse puzzle que a gente chama de vida seja baseado em ficar buscando sentido em tudo. Se pá eu só esteja escrevendo esse texto com base em uma gíria porque precisava de um gancho mais perto da vida real e mais distante daquele mundo de frases de efeito publicitário que ninguém lê com muita atenção. E se pá eu acredite que um texto de um parágrafo só seja o maior perjúrio que um redator pleno possa conceder à sua classe. Se pá eu posso não me importar muito com isso, se pá.