Coisas Estranhas

Contém spoilers da segunda temporada de Stranger Things, portanto leia apenas depois de terminar de assistir. Não, calma, acho que “contém” não é suficiente. Isso aqui é um texto basicamente só com spoilers, uma central, um encontro anual de spoilers, uma feirinha da benedito calixto de spoilers. Fique atento.


Eu lembro dos primeiros seis episódios de Breaking Bad, série que assisti intrigado pela história, embora todo mundo que acompanhou assim que a série saiu tivesse achado cult demais, cinematográfica demais, de nicho demais. E então, quando as outras 5 temporadas saíram, vimos Walter White e Jesse Pinkman protagonizarem uma das melhores coisas que você já viu na TV. É a sensação de “eu carreguei esse moleque no colo olha ele agora voando baixo” aplicada a um universo completamente distinto. É basicamente a mesma sensação que estou ao terminar de assistir Stranger Things 2.

A segunda temporada de Stranger Things está infinitamente melhor do que a primeira em muitos sentidos: mais vibrante, com um monstro maior e mais complexo que o anterior e sagas individuais mais intensas para cada personagem principal.

Will segue sendo o centro das atenções (e a melhor atuação da série) centralizando os problemas maiores como sua ligação casual com o mundo invertido e a eventual possessão malígna com o monstro habitando seu corpo, o que nos leva a uma cena digna d’O Exorcista, com a mãe sendo quase estrangulada, voz bizarra, Nancy encostando uma haste de aço em brasa na barriga do menino, culminando na fumaça preta saindo pela boca de Will, o libertando.

Da metade pro final da temporada acabam rolando também algumas ligações de personagens que não imaginaríamos tendo qualquer proximidade, como Dustin e Steve, este último sendo um dos mais legais da série, especialmente por ser quase que um ex-vilão que apanha bem, vive o drama adolescente do coração partido e amadurece demais sempre no último (ou perto do último) episódio.

Apesar disso, a série pecou em alguns outros pontos como acrescentar dois novos personagens sem muito background (Max e Billy) fingindo que eles têm um tremendo segredo, quando no fundo são apenas irmãos de consideração, se é que você pode chamar de “consideração” alguém fazendo mind games de possessividade, uma agulhada no pescoço e muita gritaria durante toda a temporada.

Como bem apontado no Reddit, a série continua matando personagens cujos nomes começam com a letra B: primeiro Barb, depois Brenner e agora Bob (se cuida Billy).

Recomendo assistir também os sete episódios de Beyond Stranger Things (O universo de Stranger Things) um after show com muitos dos personagens da série, onde a gente descobre várias referências, inclusive que o tal do Billy era o Power Ranger vermelho e o Bob era o Sam Gamgi do Senhor dos Anéis e um dos Goonies, por exemplo.

A próxima temporada ficou aberta e sem muita indicação do que vem pela frente (por opção dos produtores), fechando apenas com o tal do Mind Flayer em cima da escola. Espero que libertem Will finalmente dessas tretas todas e que ele possa contracenar em algum momento com sua bestie (Will e Eleven praticamente não interagem na série, embora sejam os personagens principais das duas temporadas).

A única parte ruim de Stranger Things 2 é a) assistir tudo tão rápido e terminar sabendo que a próxima temporada vai custar até chegar e b) o joguinho pra smartphone que saiu no começo de outubro e só consegui chegar até os 97,1%.

Um ano

Eu todos os dias acordo pensando que a gente não devia estar aqui nessa cidade, com essas pessoas, com esse trânsito e essa insensatez.

Todo o meu tempo feito de horários curtos.
De prazos.
De novelas que não pedi pra estrelar
Problemas que não cogitei um dia ter.

Choque

Consternado com situações-lixo que me jogo todos os dias. Penso muito no Carl Sagan falando que somos apenas poeira estelar. Somos. Poeira estelar com contas pra pagar e saldo negativo.

Preciso ser mais a pessoa que os gatos enxergam, menos a pessoa que esperam que eu seja. Perder esse equilíbrio da vida fez eu esquecer partes do que sou por aí.

Poeira estelar.

Dane-se a poeira estelar.

2017 é sobre reaprender que a vida vale a pena. E que existe amor em algum canto desse universo e ele vai te salvar quando tudo mais parecer perdido e sem direção.

Encarar

Algo já não lhe cabe mais.

Nesse plano, nessa época, nessa fase da vida. Algo que você perdeu no tempo, como uma linha de pipa que estourou e você tenta salvar o que restou, enquanto enrola na lata e sabe que daqui pra frente é só lamentar.

Fico imaginando o que será que se perdeu. Quando foi que essa linha estourou que ninguém viu. Que merda de cerol é esse do moleque da rua de cima que corta até a brisa?

Do outro lado desse vazio escroto, tem um acordando cedo pra trabalhar, olhando o céu e sendo preconceituoso com óculos escuros. Quem, em sã consciência prefere deixar de ver a luz do dia, assistindo sua própria vida com um filtro escuro e opaco.

A vida já é escura e opaca demais, na moral, chega de trazer mais merda pra esses bueiros entupidos que somos.

Semanas atrás comemorei (?) meu aniversário de 33 anos já preparado para piadas como “idade de Cristo, bingo!”, mas ainda não preparado para como a vida nos trata depois dos 25. Esse negócio de encarar o mundo como a personagem de Girl Boss “como assim eu preciso de um emprego pra ter plano de saúde?”.

Nossa única certeza é encarar tudo o que temos, tudo o que ficou pra trás, tudo o que um dia seremos. Afinal, somos toda essa incompreensão. Seja isso uma maldição ou uma forma de nos fazer entender ao menos um pedacinho dessa pequeneza existencial.

Dia após dia, sensação escrota atrás de sensação escrota, são as microalegrias que abrem a cortina pra mostrar a grandiosidade do universo.

Deus, irmão

Consigo enxergar a gente sentado na beira da praia. Agradecendo a hospitalidade do vendedor de sorvete. Eu tentando te convencer sobre como o picolé de fruta não faz sentido, sujando a mão toda de chocolate derretendo. Você dá risada me reprovando, enquanto eu levanto para jogar as embalagens no lixo. Você me olha voltar pela calçada, enquanto eu presto atenção em dois barquinhos de pescadores, na pontinha do horizonte. Como será que vivem aqueles moços? Me pergunto se em algum momento do dia de trabalho eles param pra olhar a infinitude do mar e refletem sobre a pequeneza de suas existências. Quando volto o olhar, você está com a mão sobre os olhos, escondendo o sol, se esforçando pra me enxergar. Eu chego e sento ao seu lado. Um abraço. Te olho bem no fundo dos olhos e digo que quero guardar aquele momento pra sempre. Você encosta a cabeça no meu peito e vemos voltando aqueles barcos e seus pescadores filósofos conversando algo engrandecedor:
– O mar é grande demais né, mano, já pensou?

– Deus, irmão. O barato é louco.

Tá falando sério que esse texto é sobre o Tiago Iorc?

Eu consigo entender grande parte do que vejo nas redes sociais. Algumas coisas de um jeito mais natural como as indiretinhas-todo-mundo-sabe-pra-quem-você-tá-falando-velho-guarda-pra-você, outras que precisam de alguma reflexão política mais profunda (por cima do muro mesmo, só pra tentar entender vocês, de coração, quem sabe um dia eu consiga melhor).

O que, definitivamente, não posso entender é a seletividade do ódio musical. De onde vem, do que se alimenta, como pode fazer fácil a cabeça de tanta gente.

No meu Facebook tem gente que odeia Matanza, gente que odeia Worst, gente que odeia o Projota, o Sambô, Lulu Santos, o Los Hermanos, o Funk em geral, até o Raça Negra entrou na roda esses dias.

SÉRIO, O RAÇA NEGRA!

Daí calhou de passar o fim de semana na praia com meus pais. E aconteceu também de não ter internet (vai saber quando vou lembrar de postar esse texto), embora role uma tv a cabo com o ao vivo do Tiago Iorc no Multishow, cantor esse que figura nessa listinha de top 5 odiados da timeline.

– Pera. Você escreveu um manifesto a favor dos sapatênis e agora vai defender o Tiago Iorc?

– Isso. Bem, mais ou menos.

– A mão da Roleta do unfollow chega coça hein?

– Fechou. Amei te ver.

– MANO.

Sendo bem sincero, eu tentei ouvir Tiago Iorc uma vez quando Mariri me contou sobre. Me soou alegre demais pra um cara no violão. E a gente gosta de coisa densa, poética, conceitual, pesadona. A gente é demais, mano. Como assim o cara tá feliz cantando? Nunca ouviu Nick Drake, truta? Things behind the sun, irmão! Nunca ouviu o Grace? Te falta Mojo. Senta e reescreve. Para com isso aí.

Aí me identifiquei com o som do violão, primeiro porque não consegui ler a marca (acho que vou me decepcionar se procurar no google e descobrir que ele mandou escrever “Iorc” no lugar). Depois porque ele usa as notas abertas que eu curto tanto usar em tudo do We hit concrete, embora com aquela batida Jorge Vercilica que não me agrada muito, na real.

Em meia hora de show deu pra entender o cara. Toda essa mistura de pós ator da malhação com memes underground lado B do tipo “troco likes” ou “era sol que me faltava” e letras que parecem ter sido cooptadas diretamente daquele blog que parecia do Juca Kfouri, mas só falava de amor, são a receita pra que uma geração mais atual de adolescentes tenha um novo Fiuk.

Trocando em miúdos: era a brecha que o sistema queria.

Talvez eu tenha chegado a uma idade na qual odiar esse tipo de artista é algo que não tenho mais tempo pra fazer. Afinal, o cara canta suas músicas de amor com notas abertas e simplonas com o violão, lota a Fundição Progresso de meninas ensandecidas por ele, ganha placa de platina no final do show (existe até uma plaquinha nova de 100 milhões de views no YouTube).

Ao que ele se predispôs a fazer, está fazendo muito bem e alcançando uma carreira pop brilhante (tocou até Anitta, se meu ouvido não me engana).

Toda essa seletividade me faz pensar que não precisamos de mais uma grande guerra: nossos egos estão tretando todos os dias, criando barreiras em nós mesmos, nas coisas que acreditamos.

Sem a gente perceber, enchemos o mundo de trincheiras, de aversão ao que é diferente, ao que não é da gente. Nosso pequeno universo fica cada vez mais retraído e cheio desse pessoal que cruza os braços durante o show sem movimentar o corpo uma só vez no processo. Essa gente que não ri em exposições de grandes galerias de arte, que se faz de profunda e sábia, mas no fim das contas só quer um check-in e já tá pensando se escolhe Mostarda e Mel ou Chipottle de molho no Subway.

E, note, em quase nenhum momento desse texto eu disse que gostei do som (na verdade em nenhum momento, te poupo de voltar pra reler). Porque é OK não gostar de algumas coisas também. Você só não pode se esquecer que existem outras vidas ali. Um cara que senta e escreve suas músicas. Que encanta uma casa de shows entupida, que vive 24 horas isso. Uma menina que saiu de casa, comprou uma faixa e colocou na cabeça, cantando “amei te ver” como se estivesse a sós com o ídolo. É a cabeça dela que você tá tentando confundir. Tenho péssimas notícias: você vai continuar tentando. Porque semana que vem ela vai em outro show, dessa vez com um cartaz. Quem sabe com uma camiseta do fã-clube. E você vai estar choramingando na sua timeline sobre como o cara é horrível.

Esse ódio irrefreável contra alguns alvos da música me faz pensar que é a gente que cria toda essa distância entre nós mesmos. Tenha críticas ao que você talvez não goste muito. É saudável e você não vai estar ofendendo ninguém, se souber escolher bem as palavras. Se não tiver muito bem de escolher, se encolhe, vai ouvir teu sonzão-conceito no quarto e sai da internet mano, para de fazer da sua vida uma distribuidora de bad trip com traços de papelão.

O dia em que fomos na 89

Semana passada dei uma entrevista na 89, junto com a Mari e o Projeto 2005.

No momento em que fechamos a data, começou a palpitação forte até o dia em que fomos na rádio. Até chegarmos no saguão do prédio e subir de elevador. Atravessar o escritório da 89 até o estúdio.

Aí começou a dar tudo certo.

Uma entrevista de uma hora. Tocando sons ao vivo, ao lado da minha melhor parceria musical da vida. Com um grande amigo que fiz na vida comandando o programa. Meus amigos online assistindo a live e lembrando praticamente todas as bandas que já tive.

Foi intenso.

Queria voltar em 2004 e dizer àquele moleque sentado no banco da rua tocando beat on the brat com uma garrafa de vinho horrível ao lado, que um dia ele vai colar na rádio e começar a entender o sentido que as coisas precisam começar a fazer na vida. Que vai ficar tudo bem e que ele vai lamrntar apenas não ter feito disso sua vida inteira desde aquela época.

Estar na 89, pra nós, foi mais mágico do que poderíamos esperar para um.projeto desse porte, com essa vibe. Não somos experts, nem somos extremamente profissionais. O que fizemos até hoje foi enfiar o coração em algo que surgiu de nós. E tem dado mais que certo viver tanta coisa maravilhosa assim.

Eu só entendo o tamanho disso quando alguém me pergunta se dá dinheiro. Porque dá pra notar que ninguém tem a menor noção do que tudo isso tem representado pra duas pessoas como a gente.

E tem sido incrível até aqui.

Joguetes

Tava prestando atenção em quem eu era.

Nas coisas que tinha na cabeça quando tinha, sei lá, vinte anos. Eu era só um moleque com um violão. Indo a shows de bandas que quase ninguém conhecia, me encontrando num mundo que, no fim das contas, já não era tão malvado assim.

Antes do aluguel, das contas chegando, dos amores que renunciaram, dos que renunciei. Era eu com a certeza de que o que me levaria pra frente era seguir a vida conforme ela vinha, sem pensar demais sobre o assunto.

Talvez esse tenha sido o maior erro.

Com a distância do tempo a gente passa a enxergar com clareza o exato momento em que errou. Aquele dia que tudo poderia ter virado a seu favor, mas aí seu braço bateu na mesa e você mexeu no tabuleiro do banco imobiliário, então ninguém sabe mais quem era dono do Jardim Europa e da Companhia de Aviação.

Perto dos 33 eu ainda procuro algum sentido em estar vivo, alguma chance de sobreviver sem ter que me desumanizar tanto pra manter um teto sobre a minha cabeça.

Ainda não sei o que fazer, obviamente.

Minha única certeza é que a resposta não está em melhorar meu currículo. A resposta tá na essência, naquele 2004 que eu deixei passar tanta coisa por medo de não dar certo. Seria fácil de buscar, se ela não tivesse incubada num cofre guardado no fundo de uma caverna no Pacífico.

O negócio é que ou eu passo a buscar a resposta hoje ou vou continuar esse carrinho do jogo da vida com um pininho só chegando no final do tabuleiro sem muito do que me orgulhar.

As referências aos jogos de infância acabam aqui, prometo.

Drops do Subsolo #1

​Devo começar pelo fato de que meu carro está apodrecendo por dentro desde a minha viagem para tocar naquele casamento no interior.

Como fiquei semanas sem sequer descer do apartamento, nossos copinhos de doce daquele dia haviam virado uma infestação de fungos, assim como as bordas do meu boné novo.
Aquele carro precisa de um amigo que o leve no lava rápido urgente.

*

Por falar em lava rápido, estou fazendo freela de social media para um. Se estou me dando bem jamais saberemos, o esquema é meio distante, mas funciona bem.

*

O cara da pizza veio fazer entrega fumando um eight e acho que esse foi o ponto alto do meu dia.

O peso

Da primeira vez que tudo desmoronou de verdade eu tinha a sensação de que ia chegar em casa e derrubar todas as coisas. Conseguia ver a estante de livros despencar sobre o canto do sofá, a geladeira quebrando a pequena mesa, o sofá revirado, minha TV no chão junto dos livros. Minha sensação de que o mundo todo havia caído no chão ultrapassava algum limite: não eram só meus sentimentos, era a necessidade que eu tinha de que todo o resto acompanhasse esse esborrachar.

O que eu sinto hoje é uma espécie de asco por mim mesmo. Quando algo sobre o último relacionamento me incomoda, sinto automática vontade de vomitar, sinto pena de mim como se finalmente me enxergasse pelos olhos de outra pessoa (uma vez que tudo o que quero é chamar atenção, ainda que de mim mesmo) e sinto que aqueles momentos bêbados inconscientes quando a gente nem sabe que ainda existe nesse mundo se tornam meio necessários (e talvez não acordar de algum desses momentos talvez fosse uma solução menos dolorosa e mais inteligente pra tudo mesmo).

Sacou o estado de espírito?

Pois é.

Eu queria o alento de pensar menos e ter mais amigos por perto. O que acontece é justamente o contrário. Acabo chegando a conclusões tão catastróficas pra minha cabeça que vai demorar até tudo se acertar de novo em mim. Lidar com a rejeição é uma espécie de karma com o qual tenho de lidar, aparentemente.

Só não sei quanto mais disso eu posso aguentar.